Aumento parcial do transporte coletivo expõe dificuldade em manter sistema atual

Após a implantação do bilhete único, receita por passageiro vem caindo e subsídio tende a subir cada vez mais, agravada ainda pela crise econômica
Bilheteria do Metrô: custo do transporte virou problema para todos (foto: Metrô)
Bilheteria do Metrô: custo do transporte virou problema para todos (foto: Metrô)

Caso você não se lembre da última vez que andou num ônibus ou trem em São Paulo, saiba que está pagando há bastante tempo pelo sistema de transporte da cidade. Sim, mesmo sem fazer uma viagem no transporte coletivo, cada vez mais contribuintes têm ajudado a manter o serviço coordenado pela SPTrans (ônibus), Metrô, CPTM, EMTU e outras viações da Grande São Paulo, inclusive gente que nem põe os pés na região.

A razão está no custo crescente do transporte coletivo e, sobretudo, na integração gratuita entre eles. Desde a implantação do bilhete único, os passageiros têm andado muito mais tempo a bordo de trens e ônibus, um grande benefício social, sem dúvida, mas que tem feito com que a receita das empresas caia ano a ano – agravada ainda pelo aumento das gratuidades. A recente polêmica a respeito do aumento parcial das tarifas em São Paulo evidencia esse fenômeno. Pressionados por um lado pela queda na receita do Metrô e da CPTM e por outro lado com a crise econômica, que tem gerado um número imenso de desempregados, o governador Geraldo Alckmin e o novo prefeito de São Paulo, João Dória, saíram-se com um congelamento parcial das tarifas.

O bilhete unitário segue custando R$ 3,80 tanto no modal viário quanto sobre trilhos, mas as integrações subiram acima da inflação assim como os bilhetes mensais, bandeira criada pela gestão anterior do ex-prefeito Fernando Haddad. Na prática, ficará mais caro usar mais de um modal, incentivando o passageiro a permanecer no ônibus ou no trem até o fim da viagem, caso isso seja viável.

Passageiros frequentes, que fazem muitas viagens, podem deixar de adquirir o bilhete mensal caso o número de deslocamentos não seja tão alto a ponto de compensar o investimento. Ou seja, com menos trocas haverá menos divisão de receita entre as empresas – exceto para quem permanecer no mesmo modal. Exemplo: quem anda de CPTM, Metrô e ViaQuatro ainda terá sua tarifa dividida entre as três empresas.

Situação insustentável

O dilema das tarifas de transporte coletivo mostra que o sistema anda tão distorcido que uma solução justa torna-se cada vez mais difícil. O problema começa bem antes, inclusive, com a má distribuição da população pela região, com enormes áreas vazias próximas a regiões geradoras de empregos e moradias muito distantes. Com isso, grande parte dos passageiros está muito longe do trabalho, elevando o custo e o tempo de viagem.

Por essa razão é praticamente impossível fazer como em outros países, ou seja, cobrar por zonas, como fazem cidades como Paris ou Londres. Quem viaja menos paga menos e vice-versa, mas aqui atingiria justamente a classe menos favorecida. Essa equação acaba tornando o transporte coletivo extremamente deficitário porque faz com que o passageiro viaje muito e de forma pendular. Com menos entradas e saídas, a receita das empresas cai, ao contrário de linhas em que há pessoas embarcando e desembarcando em vários estações e pontos de ônibus.

Outro reflexo dessa situação é que potenciais usuários do transporte coletivo, como a classe média, que utiliza o automóvel em tempo integral ou na maior parte dele, não adere ao sistema porque o valor de R$ 3,80 é alto perante o custo do combustível. Um carro hoje roda cerca de 10 km com um litro de gasolina, que custa menos que a tarifa. Em outras palavras, ele prefere pagar até mais que isso para rodar com conforto e previsibilidade – outro problema que o transporte coletivo tem, a qualidade: ninguém em sã consciência opta por um ônibus cheio nessa situação. Mesmo no caso do Metrô, que é o sistema que menos causa prejuízo aos cofres públicos, só faz isso porque roda muito lotado e tem uma abrangência pequena ainda.

Saída política

A solução, como dissemos, é complexa e de difícil execução. Começa por uma melhor ocupação do solo, por meio do incentivo à construções mistas em áreas centrais e regiões degradadas, aproximando parte da população que hoje vive em situação precária. Existe até uma lei que pune proprietários de imóveis abandonados ou em péssimas condições, mas ela não é aplicada como deveria. Talvez fosse preciso algo mais enfático, como um valor de IPTU diferenciado e bem mais caro para terrenos sem utilidade de modo a forçar os donos a dar algum fim útil a eles.

Esse passo, no entanto, é demorado e enquanto ele acontece outras atitudes precisam ser tomadas. Uma delas seria a integração do transporte coletivo da Grande São Paulo numa única administração, como no exterior. A ‘autoridade metropolitana de transporte’ faria a gestão de todo o tipo de modal, definindo estratégias, expansão e tarifas cobradas, além de fiscalizar prestadores de serviço.

Como hoje  o subsídio só aumenta (foi de R$ 7,4 bilhões nos ônibus da capital, R$ 2,3 bilhões no Metrô e R$ 2,2 bilhões na CPTM em 2015), a receita gerida pela autoridade viria, além das tarifas, do repasse de recurso de todos os níveis – federal, estadual e municipal. Mais justo seria que o contribuinte, que já paga pelo sistema, também tivesse direito a uma certa quantidade de viagens de forma a incentivar o uso. Esse bilhete compulsório viria de uma contribuição anual ao serviço de transporte coletivo. Pode soar como mais um imposto, mas se olhado com atenção, significaria ajudar a mobilidade na Grande São Paulo de forma direta, sem que outros impostos já pagos fossem redirecionados para pagar passagens, como hoje ocorre.

É óbvio que é preciso mais que isso. Da forma como funciona hoje, o transporte coletivo não aproveita sua potencialidade. Linhas de ônibus que se sobrepõem, ramais de trem e metrô pendulares sendo priorizados em vez de linhas-tronco, veículos e trens antigos e falta de automação estão entre os problemas a serem resolvidos. Para o passageiro, o que importa é fazer uma viagem previsível, confortável, segura e veloz, além, é claro, que custe um preço justo.

Enquanto nada mudar, pagaremos cada vez mais por um serviço que muitas vezes nem temos condições de usufruir.

 

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2 comments
  1. Sinceramente, a classe média, a que mora no centro expandido não usa o sistema de ônibus porque é preguiçosa. Eu moro em Moema e o transporte coletivo aqui em TODOS os horários é excelente. Geralmente, quem mora no centro expandido, trabalha nessa região central da cidade e não precisa se deslocar tantos quilômetros para fazer o que quer que seja.

    Na minha opinião, o valor de R$ 3,80 é tido como caro porque as pessoas não levam em consideração o custo de se adquirir essas carroças que vendem por aí, não consideram a manutenção anual, e muito menos o estresse de se dirigir. Acham que o custo é só o combustível mesmo.

    Soma-se a isso, a Globo dizendo aos quatro cantos que as pessoas “dependem” do transporte público – o que é uma atrocidade. Enfim, se essa mesma classe média, hipócrita, sentasse na calçada e ficasse olhando os ônibus passando nos corredores da 23, josé diniz, santo amaro, 9 de julho, veriam que boa parte deles estão vazios (quero dizer: não entupidos, com espaço confortável) , mesmo no horário de pico. Se fossem estudar veriam que as opções são inúmeras que sempre há a opção de usar a linha que está mais vazia.

    Porém, a preguiça ganha por aqui.

  2. Essa bagunça toda, que está causando déficit na operação do sistema, foi causada pela implantação atabalhoada do Bilhete Único pela Gestão Marta Suplicy. O Governo do Estado tinha o Projeto Metropass, que durou anos para ser gestado e concebido, justamente por causa desta diversidade toda de empresas, operadores, áreas, etc., mas que o intuito dessa demora era de tentar criar um sistema que permitisse uma integração livre e fácil das tarifas e passageiros, mas que fosse equilibrado financeiramente. Aí veio a Marta, botou o ovo de serpente do Bilhete Único, e ficou atirando para todos os lados na Imprensa, dizendo e cobrando que o Governo do Estado tinha que implantar o Bilhete Único no Metrô. Com aquela popularidade em alta e Lula lá, ninguém ousou apontar qualquer defeito neste projeto. O Estado tentou segurar mas não deu, pois o desgaste político e público-eleitoral era muito grande: morreu o esquema do Metropass, e o Bilhete Único foi enfiado goela abaixo no Metrô, CPTM e nos ônibus metropolitanos.

    Anos depois, Haddad se refugiou no Palácio dos Bandeirantes, ao lado do Alckmin, para anunciar que cancelava o aumento do ônibus, mesmo tendo tido apoio do Geraldo para manter o aumento. Para isto, aumentou o subsídio, que é um dos pontos centrais do texto do Ricardo Meier. O PT criou o monstro do Bilhete Único, e Haddad quase foi comido por ele. No fim das contas, desgastado por isto e por outras implantações atabalhoadas, como as ciclovias, a redução da velocidade e os corredores de ônibus (ótimas iniciativas mas que deveriam ter sido melhor pensadas e implantadas), Haddad nem foi para o segundo turno… ganhou Dória, e Alckmin segue firme e forte.

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