O lema “não existe almoço grátis” nunca foi tão verdadeiro quando o assunto é o transporte público. Em meio a discussões sobre o que é mais eficiente, empresas públicas ou privadas operando linhas de metrô e trens, ganhou força outra ideia, a de adotar a “tarifa zero” no transporte.
Há vários bons argumentos para abolir a cobrança de passagem no transporte público, mas chamar isso de “gratuidade” é de uma enorme falta de honestidade. Não há e nunca haverá transporte de graça por razões óbvias já que alguém tem que bancar a enorme e complexa infraestrutura de trens, metrô e ônibus.
A questão que não está sendo debatida até agora é se devemos dividir esse custo com toda a sociedade – contribuintes – ou se devemos cobrar a fatura de quem utiliza o transporte coletivo. Na prática hoje já se divide a conta afinal o valor da tarifa não cobre os gastos do sistema, seja ele sobre pneus ou trilhos.
Ao manter a tarifa em R$ 4,40 por vários anos, a prefeitura da capital paulista e o governo do estado têm despejado bilhões para tapar o rombo nas contas. Em outras palavras, dividindo a manutenção da rede de transporte público também com quem necessariamente não faz uso dela.

É por essa razão que todo ruído causado pela divisão da receita tarifária arrecadada com o bilhete único é uma polêmica vazia. Como inclusive este site mostrou há bastante tempo, a prioridade para o repasse dos recursos obedece a ordem da SPTrans, concessionárias de linhas de trens e então o Metrô e a CPTM.
Obviamente, com o achatamento do valor da tarifa após anos sem reajuste ou então por índices menores que inflação, o dinheiro arrecadado não é suficiente. Ainda mais porque o governo estadual tem utilizado um método de pagamento para os concessionários privados baseado numa remuneração por viagem realizada – e que garante receita, não importando qual o valor da tarifa ao passageiro.
Com três grupos privados já em atividade (ViaQuatro, ViaMobilidade Linhas 5 e 17 e ViaMobilidade Linhas 8 e 9) e mais dois a caminho (LinhaUni e o futuro vencedor do leilão do TIC) não há como bancar esse custo apenas com arrecadação tarifária. Ou seja, invariavelmente, o poder público irá subsidiar a operação da malha sobre trilhos concedida.
“Ah, mas deveriam priorizar o Metrô e a CPTM”, dirão alguns. O rombo, no entanto, continuará lá porque a fonte é a mesma, o erário público. Portanto, a discussão não deve ser quem recebe primeiro, mas sim quem custa menos e presta o melhor serviço para a sociedade.
Quem custa mais para a sociedade?
Eis aí um debate que já deveria ter começado. Afinal quanto custam o Metrô e a CPTM para os cofres públicos? E quanto precisamos arcar para que a ViaQuatro e as duas ViaMobilidade possam funcionar?
São informações que governo e concessionárias possuem e basta nos debruçarmos sobre elas para tentar entender o que ocorre antes de apontar o dedo para culpar o público ou o privado.

Vejam, por exemplo, o caso da ViaQuatro. A concessionária recebeu como receita metroviária um valor de R$ 560,3 milhões em 2022, segundo seu balanço. Houve ainda um repasse a título de reequilíbrio de R$ 191,9 milhões, totalizando pouco mais de R$ 752 milhões.
A empresa também tem outras fontes de receita, mas que não envolvem o repasse de dinheiro do governo como aluguel de lojas, publicidade e outras ações “acessórias”. Bem, a ViaQuatro realizou 166,7 milhões de viagens/embarques no ano passado, incluindo passageiros que começaram a viagem na Linha 4-Amarela ou vieram de algum outro ramal.
Uma conta simplória mostra então que cada passageiro embarcado na Linha 4 custou ao governo cerca de R$ 4,51, mas é importante lembrar que na verdade esse valor inclui a demanda perdida com a pandemia.
Em outras palavras, a ViaQuatro deveria ter transportado mais gente, segundo o que o governo estimou no contrato. Quando isso não ocorre, o poder público compensa a empresa. Considerando apenas a receita metroviária de 2022, o custo por usuário foi de R$ 3,36.
No caso do Metrô, segundo seu relatório integrado de 2022, houve uma receita tarifária de R$ 1,64 bilhão, além de outras receitas como a não-tarifária e com gratuidades, nesse caso de R$ 321 milhões. Portanto, a empresa teve um faturamento associado diretamente ao transporte de passageiros de R$ 1,96 bilhão. No entanto, a companhia terminou o ano com um prejuízo de R$ 1,17 bilhão.

Ao todo, o Metrô teve pouco mais de R$ 3,5 bilhões em despesas, seja com a operação das suas quatro linhas como com sua estrutura administrativa e outras atividades, além de questões judiciais e outros aspectos financeiros.
Como em 2022 as quatro linhas do Metrô transportaram cerca de 794,2 milhões de passageiros, para bancar seu custo apenas com a tarifa, a companhia deveria receber R$ 4,42 por cada viagem realizada. Em vez disso, a companhia recebeu em média R$ 2,47 – ressaltando-se que esse valor equivale a cada embarque em um trem.
É importante ainda lembrar que o Metrô, ao contrário da ViaQuatro, tem outras atribuições como a gestão da arrecadação, o planejamento da expansão da rede, a fiscalização de obras, além de estudos fundamentais de demanda que delineam a estratégia de longo prazo, entre outros.
Por essa razão, não é possível comparar as duas empresas sob uma mesma régua. Seria ideial que apenas o “Metrô operador” tivesse seus dados comparados, mas são informações que só a empresa poderia separar.
Setor privado investe, mas vai cobrar a conta mais tarde
Há, contudo, atribuições comuns como a operação, a manutenção e outros serviços. Já o investimento em expansão e modernização não sai do bolso delas e sim do estado. E não adianta afirmar que só o setor privado tem condições de investir em projetos sobre trilhos porque na prática ele não está fazendo caridade.
Ter capacidade de investir é uma coisa, bancar esse custo é outra e por isso as concessões são como “grandes empréstimos” assumidos pelo poder público, que então “paga” as concessionárias com anos e anos de vigência da concessão. Isso quando o próprio estado não se endivida para assumir parte dos custos, como deve ocorrer no projeto do Trem Intercidades.

O retorno para o setor privado tem uma explicação: quando uma concessionária compra um trilho ou um trem como o Série 8900 das linhas 8 e 9, esse ativo pertence ao governo. Sendo assim, para ela interessa recuperar esse gasto com a receita operacional e ter no fim um retorno financeiro para seus acionistas.
Quanto ela vai ganhar no fim das contas não vem ao caso já que se ela for eficiente a ponto de obter um lucro mais alto do que o esperado, trata-se de um mérito dela e que não vai refletir em nada para o bolso do contribuinte. Desde que, é claro, o serviço seja de qualidade. E para isso é preciso que o poder público fiscalize e cobre.
O exemplo mostrado acima, entre ViaQuatro e Metrô, é apenas um exercício modesto para jogar luz nessa questão. Há especialistas no mercado capazes de analisar os balanços das empresas públicas e privadas e o impacto para o caixa do governo e assim revelar qual o caminho mais promissor para manter a malha metroferroviária operando e se expandindo.

Gestão do transporte independente de governos
O bom senso indica que o transporte público, sobretudo o ferroviário, deve ser priorizado por ter um impacto econômico, social e ambiental muito mais positivo que o de outros modais. Se não é viável que seus usuários banquem esse serviço, então que se proponha uma forma de gerir fontes de receita para viabilizar o acesso livre ao sistema.
Possibilidades não faltam como taxar proprietários de veículos de passeio ou criar um fundo nacional ou estadual voltado à mobilidade, mas o sucesso de um projeto como esse passa por uma gestão independente, que não seja manipulada por políticos e que tenha autonomia para atuar na região metropolitana, substituindo gestões municipais de transporte.
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Assim se evitaria uma situação lamentável como a atual, em que o governo do estado aumenta a tarifa enquanto a prefeitura de São Paulo sugere abolir o pagamento de passagem. Neste caso, não está se pensando numa solução sustentável e de longo prazo e sim em efeitos eleitorais.
A conta nesses casos pode ser muito maior para o bolso de todos, usuários os não de trens e ônibus.