Há quase dois anos, este site revelou que na divisão acertada entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado acerca da arrecadação do bilhete único no transporte, o Metrô e a CPTM estavam cada vez mais deixadas de lado.
Isso foi em agosto de 2022 quando tivemos acesso a dados então inéditos sobre a partilha desses recursos.
Na época, as duas companhias do estado já sentiam o “vazio no bolso” quando em maio daquele ano apenas 0,2% da arrecadação foi repassada a elas.
Como dissemos então, a situação iria se complicar ainda mais com a entrada da então estreante ViaMobilidade Linhas 8 e 9 no bolo do bilhete único.
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Criado em 2005, o modelo centralizado de arrecadação foi uma forma de facilitar a integração tarifária entre os ônibus da capital e o sistema sobre trilhos e funcionou bem no início.
Mas o governo do estado, ao iniciar as concessões de linhas metroferroviárias, passou a colocar como uma garantia para essas empresas privadas a prioridade no repasse da arrecadação com as passagens.

A ideia desde então é que as concessionárias fiquem na frente na fila do repasse à medida que assumem os ramais: primeiro a ViaQuatro (Linha 4), depois a ViaMobilidade das linhas 5 e 17 e então a a ViaMobilidade Linhas 8 e 9. Dentro de alguns anos se juntará ao grupo a LinhaUni, que operará a Linha 6-Laranja.
Vale lembrar que a C2 Mobilidade Sobre Trilhos, que venceu o leilão do TIC Eixo Norte (SP-Campinas) receberá o pagamento pela operação da Linha 7-Rubi por outro método, o de disponibilidade do serviço e não por passageiro transportado. De onde virá o dinheiro, não está claro.
Empresa de ônibus da capital ficam com dois terços do bolo
Antes de o repasse chegar às concessionárias de trens, a SPTrans, empresa municipal que gerencia o sistema de ônibus, fica com cerca de 60% da arrecadação. Esse dinheiro paga apenas uma parte do que é devido às viações de ônibus, que ainda engolem bilhões do caixa da prefeitura.

Somente depois disso chega a vez do Metrô e da CPTM e claro que a fonte de recursos secou com tanta gente na sua frente.
Qual é o sintoma real dessa situação? O custo do transporte público em São Paulo está cada vez mais elevado e a tarifa cobrada do passageiro, defasada.
Com apenas um reajuste recente e abaixo da inflação no período, somado à redução da demanda, a receita tarifária encolheu, agravando algo que já caminhava para uma situação de insustentabilidade.
Fato é que o transporte público é algo sensível para a população mais carente e cobrar o valor que equivale aos aos custos reais impediria que milhões pudessem ter acesso a ele, desencadeando uma queda ainda maior no número de passageiros.

De onde sairá o dinheiro para manter os trens circulando?
Pois o que se vê hoje é a necessidade cada vez maior de bancar os custos do sistema com repasses financeiros. Em outras palavras, a arrecadação de impostos cobre o rombo, tornando os contribuintes fieis da balança de todo esse ecossistema.
Para alguns isso pode soar errado, mas é sadio. Ao tirarem automóveis das ruas, trens e ônibus fazem a economia funcionar e reduzem trânsito e poluição, beneficiando todos, mesmo quem não faz uso deles.
Ou seja, o estado financiar o transporte é algo que aconteceria cedo ou tarde porque é impossível manter uma rede enorme sobre trilhos apenas com arrecação tarifária.
Muitos podem lembrar que o Metrô já foi “lucrativo”, mas isso foi antes do bilhete único, quando operava linhas abarrotadas e cujas viagens eram mais curtas por conta da extensão diminuta na época.

“Público vs privado”
E aí caímos em uma polarização “público vs privado” que distorce a causa do desequilíbrio visto no bilhete único.
Tudo o que se vê e se ouve é que o governo está “asfixiando” o Metrô e a CPTM e que privilegia as concessionárias, mas o fato de o setor privado receber antes o repasse não tem qualquer reflexo na situação das duas companhias.
Concessões têm seus contratos claros e as empresas, o direito de receber por prestar o serviço, nesse caso, cada passageiro que transportarem, seja vindo de conexão de outra linha ou apenas na sua área de atuação.
Como a gestão estadual vai bancar isso não faz diferença. Pode vir do bilhete único como pode sair direto do caixa do governo.

Já o Metrô e a CPTM são companhias vinculadas à administração pública. Se o dinheiro do bilhete único não cobrir suas contas, elas não vão falir ou pedir concordata. O governo irá socorrê-las, como tem feito há anos.
Isso não significa que um possível sucateamento ou falta de funcionários não possa ocorrer, mas relacionar isso a prioridades no repasse da tarifa é ingenuindade ou má-fé.
E a prioridade entre as concessionárias?
Um sinal que essa dicotomia não tem sentido é que não estamos longe de a arrecadação não cobrir o que estado deve às concessionárias. E aí imagina-se alguma manchete indignada afirmando que o “governo prioriza a ViaQuatro e deixa a LinhaUni sem dinheiro do bilhete único”. É claro que nesse caso não haverá voz reclamando dessa “injustiça”.
O que isso significa? Que não é o repasse do bilhete único a causa do déficit do transporte de passageiros e sim as atuais políticas públicas relacionadas ao setor. O bolo da arrecadação tarifária não passa de um dos sintomas de que algo precisa mudar.
Um caminho que poderia ser seguido seria o de racionalizar e integrar o sistema de trilhos e pneus em toda a região metropolitana, eliminar sobreposições, adotar tarifas diferenciadas por horários e regiões e, sobretudo, criar um fundo para manter esse serviço.

Mas hoje o que se vê são dezenas de prefeituras e o estado com gestões e propostas individualizadas sobre o transporte a ponto de a prefeitura de São Paulo bancar corredores de ônibus paralelos a linhas de trens e metrô.
Infelizmente, isso é um vespeiro que ninguém tem coragem de mexer e persistem as decisões corporativistas para agradar uma minoria organizada.
Voltando aos trens, se o atual governador Tarcísio de Freitas tiver tempo para conseguir colocar seu plano em prática, o Metrô e CPTM deixarão de operar suas linhas e então teremos um sistema nas mãos de empresas privadas, cada uma delas cobrando pelo serviço.
Resta entender como os cofres públicos cobrirão o rombo entre a arrecadação e a dívida com as concessionárias e mais do que isso, saber se o que está sendo pago é um valor justo pelo que está sendo entregue. Não importa o quanto o bilhete único ajude a cobrir isso.