Notícias ruins a respeito das linhas de monotrilho em São Paulo surgem com frequência, mas o pior de tudo isso é que elas não surpreendem, tamanha a sucessão de erros que esses projetos apresentam desde o início de sua implantação no país.
A mais recente informação negativa veio da Scomi, fabricante dos trens que deveriam ser usados na Linha 17-Ouro do Metrô. A empresa da Malásia teria sinalizado sua vontade de abandonar o projeto, segundo reportagem da TV Globo que foi ao ar na semana passada. O Metrô, segundo o jornal Bom Dia São Paulo do dia 12 de novembro, informou que se reunirá com a empresa até o final do mês para decidir o que fazer.
A Scomi é mais uma empresa a querer abandonar o barco no mais problemático projeto de monotrilho do país, a famosa linha que deveria ter sido entregue na Copa do Mundo de 2014 e que teria quase 18 km de extensão. Hoje o governo do estado constrói apenas 7,7 km focando basicamente em conectar o aeroporto de Congonhas com a malha metroferroviária. A linha teve sua operação concedida à iniciativa privada, no caso a ViaMobilidade, empresa que hoje já assumiu a Linha 5-Lilás.
Mas afinal o que faz do monotrilho tamanha dor de cabeça? Por que ele tem se mostrado na prática justamente o inverso da sua proposta, a de ser uma forma rápida, barata e eficiente de ampliar as linhas de metrô?
A resposta não é simples, mas certamente tem bem menos a ver com o modal em si. O monotrilho já se mostrou viável em outros mercados como o chinês onde existe a maior rede do gênero como na cidade de Chongqing, dona da linha mais movimentada do mundo. Existem monotrilhos funcionando de forma rotineira em outras cidades do globo, mas é fato que linhas de maior porte ainda são raras comparadas às de metrô convencional. E aí temos um dos grandes erros dos projetos no Brasil.
Pela falta de exemplos mais concretos de operação era de se esperar que o governo paulista resolvesse implantar uma primeira linha como experiência, mas gestões tucanas passadas decidiram abrir várias frentes quase ao mesmo tempo, o primeiro grande erro cometido e que foi determinante para a grave situação em que nos encontramos hoje.
A primeira linha de monotrilho planejada na Zona Leste foi aberta há mais de quatro anos e até hoje não opera de forma definitiva. Tem um pequeno trecho em horário comercial, mas com intervalos altos, e outro em testes desde abril, mas que por seguidos problemas em sistemas não amplia seu funcionamento – sem falar em quatro estações quase prontas e que foram abandonadas pelo consórcio responsável.

Substituta do corredor de ônibus “Expresso Tiradentes”, a Linha 15-Prata reuniu tantas novidades que sua implantação não poderia ter sido tão rápida quanto o governo divulgava. Primeiro porque toda a construção de pilares e vigas-trilho era um processo desconhecido ainda, depois com o uso de canteiros centrais de vias que acabaram atrasando a obra por problemas externos, e no fim porque todo o sistema é novo: trens de monotrilho da Bombardier, sistema de sinalização CBTC, que na época só rodavam normalmente na Linha 4-Amarela, e por fim o uso de portas de plataforma em todas as estações, além de um mecanismo de troca de vias inédito, os “track-switches”.
Para fechar a conta, o Metrô optou por encomendar trens sem operador presente e determinar um intervalo bastante baixo para que a linha pudesse suportar a grande demanda. Tantas variáveis resultaram em atrasos assustadores. Veja o caso dos testes realizados aos finais de semana e que ocorrem há anos sem que exista alguma previsão sobre sua conclusão.
Começando do zero
Diante de tantas incertezas, o ideal teria sido esperar concluir esse primeiro projeto para então avaliar o caso, corrigir suas falhas e decidir lançar novas linhas. Porém, o que se viu foi o oposto. Na ânsia de aproveitar o período de vacas gordas do início da década, as gestões tucanas lançaram outros dois monotrilhos, a Linha 17 e a Linha 18 – esta última licitada em 2014 mas que até hoje não teve as obras iniciadas por falta de dinheiro para desapropriações.
A Linha Ouro pegou carona na chamada Matriz da Copa, fundo que previa recursos para obras envolvidas com o evento de futebol. Mas, com a mudança do local dos jogos em São Paulo, logo o pretexto sumiu, e a linha foi mantida com o argumento de facilitar a chegada de turistas a regiões hoteleiras.
Mas a grande questão sobre a Linha 17 foi que seu projeto teve de partir do zero em várias áreas por conta da seleção de um novo consórcio diferente do que venceu a Linha 15. Embora sua concepção seja semelhante ao monotrilho da Zona Leste, quase tudo seria novo porque o governo paulista não impôs um padrão entre elas para que os interessados se adequassem a ele. Em vez disso, as vigas-trilho, componente fundamental no projeto, acabaram sendo desenhadas de forma diferente porque o consórcio vencedor havia optado pelo monotrilho da Scomi. Ou seja, elas não comportam o trem da Bombardier, por exemplo. Sistemas, outro ponto-chave nesses projetos, deveriam ter sido entregues por outras empresas e com um padrão desconhecido – o CBTC seria fornecido por uma empresa chinesa.

Exigências de conteúdo nacional também complicaram o projeto. Tanto Bombardier quanto Scomi precisaram estabelecer linhas de montagem no país, mas para encomendas irrisórias. A empresa canadense, por exemplo, foi contratada para produzir 54 trens mas no fim fabricou apenas 27 por conta da suspensão de novos trechos da Linha 15. E não teve mais nenhuma encomenda em solo brasileiro até hoje.
Em conversas informais que o site teve com pessoas envolvidas nos projetos nos últimos meses ouviu-se que a falta de concorrentes nesse segmento dificultou a implantação de um padrão próprio de monotrilho – se escolhesse um acabaria privilegiando determinada empresa, por isso cada fabricante trouxe sua solução para o projeto. O problema é que, caso a Scomi desista mesmo, o que parece muito claro diante das dificuldades que ela teve no relacionamento com o Metrô, o governo terá de contratar uma nova empresa que faça um trem capaz de utilizar o padrão de vigas já implantado. Ou seja, vai sair caro dependendo de quem vencer a nova concorrência.
Monumento ao desperdício?
Em artigo publicado há alguns anos este site defendeu a tecnologia de monotrilho. Na época surgiram vários críticos do modal mas imputando a ele a culpa por problemas já conhecidos das obras públicas no Brasil como corrupção, erros de projeto, burocracia, desapropriações e diretrizes eleitores em vez de técnicas.
Passado esse tempo e diante desse cenário desanimador, continuamos acreditando na sua viabilidade. Bem planejado e implantado em regiões onde uma linha subterrânea seria extremamente cara, o monotrilho pode dar conta da demanda. Até mesmo a tão criticada degradação do entorno não ocorreu na Linha 15-Prata. Pelo contrário: com ele veio a ciclovia e a valorização de imóveis e a construção de prédios residenciais e outros negócios. Na Linha 17, por enquanto o cenário é ruim, mas só teremos um veredito quando as estações estiverem abertas.

Mas é fato que o monotrilho não é a solução perfeita para todos os casos. É um transporte de média capacidade, acima de um VLT ou BRT, mas que não se equipara a um metrô pesado, modal que ainda é carente em São Paulo. Pelo seu ineditismo, deveria ter sido implantado com mais cuidado, no entanto, acabou vítima de interesses que em nada tem a ver com o bem estar da população.
Infelizmente, talvez seja tarde para que o monotrilho possa provar seu potencial no Brasil. A imagem desgastada nesses 10 anos em que se fala dele pode ter acabado com futuros projetos. A Linha 15, o grande laboratório do gênero, só deve funcionar dentro do esperado talvez em 2020 quando as 10 estações estiverem operando em tempo integral – uma 11ª deve começar a ser construída no ano que vem. Já as vigas da Linha 17 continuarão incomodando a visão dos paulistanos por muito tempo antes que passem a ter alguma serventia.