É de largo conhecimento do público o grande atraso nas obras da Estação 14 Bis-Saracura. A parada, que se transformou em um entrave no projeto da Linha 6-Laranja, tem como meta encerrar as atividades de escavações arqueológicas em março de 2025.
No entanto, um impasse sobre o destino de uma enorme estrutura de drenagem encontrada no subsolo do canteiro de obras pode atrasar ainda mais o cronograma.
O site se debruçou durante dias em fartas documentações obtidas sobre as discussões entre Linha Universidade, Acciona, SPI (Secretaria de Parcerias em Investimentos) e o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Traremos de forma resumida o estado atual da situação do sítio arqueológico/canteiro de obras.

Novos achados
Durante o processo de prospecção arqueológica do canteiro, duas grandes construções foram descobertas em julho de 2024. Tratam-se de estruturas de drenagem do antigo córrego Saracura Grande que passou por processo de canalização.
Os itens são uma galeria de acesso em tijolos com revestimento em argamassa e uma estrutura de canalização em concreto armado com uma grelha metálica. Abaixo desta última estrutura localiza-se uma tubulação não mapeada originalmente.
Os achados foram encontrados nos campos 1 e 2A do sítio arqueológico.

Dispensa de preservação
A concessionária Linha Universidade, através da Nota Técnica 008/2024-MA-CLU, requereu ao IPHAN a dispensa de preservação dos achados para continuidade das obras da Estação 14 Bis-Saracura.
A concessionária realizou, em análise própria, uma prospecção das estruturas em mapas antigos da cidade. Foi levantado que a estrutura remonta ao processo de urbanização mais intensa da cidade realizado há cerca de 60 anos quando os córregos da cidade foram canalizados.

A Linha Uni citou, inclusive, parecer técnico de um engenheiro do IPHAN, que considerou do ponto de vista da engenharia que o projeto da estação é incompatível com a permanência dos achados no local.
Tendo em vista tais complexidades, além do fato destas estruturas serem registradas em outros locais da cidade, a concessionária pleiteou a dispensa de preservação. A solicitação foi negada pelo IPHAN.
Metodologias de resgate
Tendo em vista a negativa do órgão de patrimônio, coube à Linha Uni uma nova tentativa para permitir a continuidade das obras. Duas soluções foram propostas para este problema. Os dados estão relatados no documento CLU-EXT-088/2024.
A primeira envolve o deslocamento dos achados para uma região no mezanino que será isolada do público. As peças seriam, então, expostas permanentemente na estação.

A segunda solução envolve o deslocamento dos achados para uma região fora da estação, próxima aos acessos. No local, as peças seriam restauradas e expostas em ambiente protegido.
O espaço do mezanino seria então dedicado para uma exposição que permitiria aos passageiros ter contato com o patrimônio. A exposição, a princípio, seria apenas por imagens, sem contato com elementos originais.

Recomendações e mais contestações
O IPHAN solicitou aprofundamento da proposta apontando estudos superficiais nos dois campos (1 e 2A), manutenção do conjunto, cronograma, metodologia de transporte, restauro e instalação das estruturas.
A LinhaUni realizou então uma série de contestações através do relatório CLU-EXT-097/2024 como a onerosidade de esforços técnicos e humanos para análises de viabilidade de resgate do patrimônio.
A concessionária alegou que não é possível a retirada íntegra dos conjuntos. Tal demanda seria uma obra de engenharia à parte, já que a retirada do conjunto ocorreria em único bloco sem desmontagem. A LinhaUni propõe a retirada dos elementos em partes para minimizar danos estruturais.

A LinhaUni propôs ao IPHAN o resgate parcial dos bens (“extratos relevantes”) e a utilização de recursos tecnológicos como exposição em realidade expandida. A concessionária alertou para os impactos no atraso das obras.
“Dessa forma, a Concessionária manifesta sua preocupação quanto aos impactos das recomendações perante o andamento da pesquisa arqueológica e culminando na implantação da estação. O prazo para manutenção do cronograma vigente é de conclusão das escavações arqueológicas no início de março de 2025, conforme explanado em diversas reuniões com o órgão”
Propostas vagas
O IPHAN, em nota técnica apresentada no último dia 25 de novembro, apresentou fortes contestações contra a LinhaUni. O órgão rebateu diversos argumentos da concessionária relacionados às suas propostas.
O IPHAN afirma que não foram apresentadas propostas de fato. Segundo o órgão federal, “uma proposta deve conter elementos mínimos para sua análise, como apresentação de metodologia, e nenhum destes elementos foram apresentados na Correspondência CLU-EXT-088/2024”. E ainda complementou que “não existe possibilidade do IPHAN dar aval para algo que jamais foi proposto. O aval do IPHAN só pode ocorrer diante de manifestação técnica”.
O órgão ainda questionou a proposta da Linha Uni, mostrando falta de concretude e incoerência da concessionária em sua solução. A citação foi feita em referência à remoção dos itens de forma unificada.
“Se as condições são desconhecidas no momento, não há como garantir que não ocorram danos às estruturas, especialmente levando em consideração a Correspondência A Lasca-IPHAN n. 13, de 11 de março de 2024 (SEI 5168117), em que é dito que a remoção das estruturas causaria danos irreparáveis. Tal trecho mostra novamente que a concessionária não apresentou uma proposta concreta.”
Há a contestação de minimização de riscos aventada pela LinhaUni para a guarda do patrimônio. Disse o IPHAN: “Como é possível avaliar que os riscos são minimizados se não existe projeto?”.
A concessionária chegou a contestar a falta de posicionamento do IPHAN quanto ao resgate de determinadas áreas do sítio arqueológico, citando a falta de resposta por parte do órgão. A concessionária chegou a paralisar alguns canteiros. Em resposta o órgão colocou o seguinte posicionamento:
“A manifestação acerca da Área 2B já foi realizada através do Ofício n. 4772/2024/IPHAN-SP-IPHAN (5709706-25/09/2024). As dúvidas foram elencadas para a Área 4, de forma que não era necessária nova manifestação deste Instituto para a Área 2B. Se as pesquisas estão paralisadas, foi por escolha e/ou falta de comunicação da empresa de Arqueologia e da própria concessionária”
Por fim o IPHAN é categórico: “Diante do exposto até aqui, deixamos claro que não permitimos quaisquer ações possivelmente danosas ao patrimônio nas Áreas 1 e 2A, sem antes apresentação de alguma proposta viável de avaliação“.
O inevitável atraso da obra
A Linha Uni alega que a demora em encontrar uma solução para o impasse pode colocar por terra o cronograma estabelecido com o governo para que a estação 14 Bis-Saracura seja concluída a tempo da inauguração do segundo trecho da Linha 6, previsto para o final de 2027.
Segundo a empresa, se não houver uma saída, a meta de concluir as escavações arqueológicas dentro de quatro meses vai impactar no atual plano. Em outras palavras, tornando a implantação da estação inviável ou, na melhor das hipóteses, em um prazo posterior à abertura do ramal.
O IPHAN, por outro lado, tem deixado claro em suas respostas que não aceitará pressão e que ele é o único responsável por julgar a relevância do material encontrado no local.

A persistir a intransigência de ambas as partes, o que se desenha até aqui é o inevitável atraso da obra da estação, com consequências ainda não claras.
O caminho mais apropriado para resolver o impasse seria o de buscar um ponto em comum, tanto por instâncias públicas como pela empresa privada e as organizações que defendem a preservação do local pelo seu passado.
Afinal, o que será feito com os achados? Eles ficarão dentro da estação como uma exposição permanente ou será construído um local apropriado para isso nas proximidades? O objetivo é retirá-los ou mantê-los intactos onde se encontram?
Enquanto persistir um jogo de “empurra-empurra” em que as partes parecem não falar a mesma língua, certamente nada de positivo sairá daí.