Especial Litoteca: os bastidores das escavações dos túneis do Metrô

Na segunda parte do especial, curiosidades sobre o trabalho dos tatuzões e também algumas situações pouco conhecidas sobre a construção das linhas da companhia
Túnel escavado pelo tatuzão
Túnel escavado pelo tatuzão

Ao longo da visita à Litoteca uma série de esclarecimentos foram sanados, mostrando alguns dos bastidores da construção de algumas linhas do Metrô.

Custo e importância das sondagens

Como já ressaltado anteriormente, as sondagens no terreno fazem parte de uma importante fase de estudos que deverá direcionar o melhor método construtivo para a construção subterrânea, podendo ser realizada com escavação manual, por explosivo ou por tuneladora.

O custo de cada sondagem é variado pelo tipo de material e pela profundidade. Uma sondagem em solo, por exemplo, tem preço estimado entre R$ 300 e R$ 400 por metro. O preço chega a ser cinco vezes maior se o terreno escavado for rochoso.

Uso de dois tatuzões singelos ou duplos

Um questionamento que foi levantado era sobre a utilização de tuneladoras de menor diâmetro, como o que ocorre em parte da Linha 5-Lilás. O shield singelo pode apresentar desvantagens quando se pensa na possibilidade de manobras, já que ele não comporta um Aparelho de Mudança de Via (AMV).

Geralmente, as tuneladoras singelas são utilizadas em terrenos mais rasos, enquanto as tuneladoras maiores são preferíveis em profundidades maiores, estas por sua vez já podem incluir os AMVs.

Maquete do Shield da Linha 6-Laranja (Jean Carlos)

A profundidade de implantação dos túneis pode influenciar na decisão. A área de influência de uma tuneladora é de aproximadamente 45º a partir da borda dos túneis. Isso faz com que, em determinadas ocasiões, adotar um shield de maior tamanho tenha menor repercussão na superfície do que dois shields singelos.

Um caso bastante particular onde o Metrô adotou uma solução criativa foi no centro de São Paulo, mais especificamente na estação São Bento. Devido a quantidade de construções existentes na região, o Metrô adotou a concepção de túneis sobrepostos, dessa forma foi possível diminuir as interferências na superfície. A mesma solução foi aplicada na estação Marechal Deodoro.

Maior desafio do Metrô: implantação de túneis

Um dos maiores desafios do Metrô na implantação de túneis ocorreu na Linha 2-Verde. Quando o primeiro trecho começou a ser construído os engenheiros se depararam com uma interferência: Uma das fundações de um prédio residencial de 8 andares localizado na rua do Paraíso.

Como o solo na região é bastante mole, descartou-se a possibilidade do uso do tatuzão naquela região, dando preferência para o método de escavação manual. Nesta situação o Metrô teve que realizar obras nas fundações do prédio que recebeu novas vigas. Após a estabilização do conjunto a fundação antiga foi cortada e o túnel foi aberto.

Um caso semelhante ocorreu na região do Anhangabaú onde as fundações de um prédio antigo tiveram que passar por intervenções antes da passagem da tuneladora pela região. A edificação teve as fundações antigas em madeira cortadas pela tuneladora, sem que houvesse danos ao prédio histórico, graças a solução aplicada pelo Metrô.

Pilares que foram removidos próximo a estação Paraiso (Jean Carlos)

Uso de tuneladora ou escavação manual

A escavação de um túnel por tuneladora ou pelo método tradicional depende de alguns fatores como, por exemplo, a homogeneidade do solo e a distância do túnel.

Para túneis que são pequenos ou que apresentam muita variação de terrenos, com presença de terra e rochas, é recomendado a escavação por NATM. Quando a escavação for maior, geralmente a partir de 2,5 km de extensão e o terreno tiver uma composição regular, a escavação com tuneladora já é recomendada.

As tuneladoras são capazes de cavar em terra ou em rocha. As tuneladoras de terra utilizam espécies de “pás” que vão raspando o solo que é retirado através de um parafuso sem fim.

Já na escavação em rocha, como a que irá acontecer no trecho norte da Linha 6-Laranja, a tuneladora é composta por uma série de ferramentas de corte com tamanho aproximado de 17 polegadas. Essas ferramentas vão trincar a rocha e fragmentá-la. Estima-se que o custo dessas ferramentas seja de aproximadamente 7 dólares por 1 m³ de rocha escavada.

Perfil e solução de escavação adotada na Linha 3-Vermelha (Jean Carlos)

A tuneladora da Linha 4 foi reaproveitada (e ampliada) na linha 5 por conta da semelhança de material

A tuneladora da Linha 4-Amarela foi reaproveitada em partes para a escavação da Linha 5-Lilás. Nessa discussão levantou-se a questão da vida útil de um tatuzão, bem como a durabilidade de suas peças.

A principal parte do tatuzão é o rolamento central que permite o giro da roda de corte. É uma peça com aproximadamente três metros de diâmetro e que é fabricada em pelo menos dois anos.

O conjunto de equipamentos da tuneladora são projetados para trabalhar de 10mil até 15 mil horas de trabalho. Isso resulta em entre 10 km e 15 km de vias construídas.

Como a tuneladora da Linha 4-Amarela escavou cerca de 6 km de distância, ela pode ser reaproveitada para ser utilizada na Linha 5-Lilás, para assim ser definitivamente aposentada, juntamente com as duas tuneladoras singelas.

O custo de uma tatuzão é orçado entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões. O valor representa apenas uma fração do investimento na construção de uma linha de metrô que pode chegar a até R$ 1 bilhão por quilômetro.

Chegada do tatuzão na nova estação Santa Cruz (foto: Metrô)
Chegada do tatuzão na nova estação Santa Cruz (foto: Metrô)

Região com solo contaminado

Outra questão muito importante é a do solo contaminado. Todo o terreno que estiver com esse tipo de problema vai precisar passar por tratamento específico que pode ser a exposição, incineração ou coprocessamento. Este tipo de situação ocorreu na estação Paulista.

Geralmente o solo contaminado se localiza entre a superfície e o lençol freático existente. Em escavações com tuneladora este é um problema que pode ser contornado caso haja uma camada de argila que consiga impermeabilizar naturalmente o agente contaminante.

No caso onde é necessário a escavação manual através do método NATM é necessário realizar o rebaixamento do lençol freático. Nesta alteração pode ocorrer a contaminação de áreas anteriormente limpas.

Na região entre as estações Sumaré e Vila Madalena ocorreu a contaminação do solo por combustível. Uma cepa de bactérias denominadas como thiobacillus consegue se reproduzir através do enxofre existente no combustível em ambientes ácidos.

A cepa bacteriana atacava o concreto e expunha a sua armadura de aço. Por sua vez, o terreno contaminado com material ácido fazia com que, quimicamente, a armadura começasse a se enferrujar rapidamente, em um processo de dissolução.

A obra que ficou comprometida em cerca de cinco anos foi sanada através da aplicação de cimento com resistência a sulfatos. A partir daí, outras obras de metrô começaram a utilizar mantas de impermeabilização de PVC para evitar a degradação por agentes biológicos e químicos.

Túnel entre Vila Madalena e Sumaré (Jean Carlos)

Sondagem e construção sob rios

A presença dos rios tem praticamente zero influência para a construção dos túneis. Alguns pontos importantes que devem ser postos são o fato de que os grandes rios de São Paulo, o Rio Pinheiros e o Rio Tietê, foram retificados há muito tempo, portanto sua calha é bastante diferente do que era originalmente.

Esse fato pode influenciar na sondagem aos derredores, mas não necessariamente ser um fator impeditivo para a construção dos túneis. Geralmente a presença dos sedimentos dos rios está localizada em até 10 metros de profundidade do leito. Os túneis geralmente costumam passar a cerca de 20 metros a 30 metros de profundidade.

Como o solo de São Paulo é bastante saturado, ou seja, possui bastante água, na maioria das situações as tuneladoras já estão bastante acostumadas a lidar com a presença de água na confecção dos túneis.

Terrenos especiais

Podem existir situações onde os terrenos para escavação possuem propriedades desfavoráveis para a adoção de um Shield EPB. Quando o terreno é muito arenoso a água consegue passar facilmente pelos sedimentos, dificultando a escavação.

Tuneladora Maria Leopoldina que escavou o trecho sob o Rio Tietê (Jean Carlos)

Para lidar com este tipo de problema é utilizado o shield do tipo Slurry que realiza a injeção de lama na areia para depois retirá-la de forma segura. Atualmente 90% das tuneladoras são convencionais (para terra e rocha) enquanto as do tipo Slurry fazem parte dos outros 10%

Conclusão

A litoteca é, sem dúvida, um local de referência para o estudo da geologia de São Paulo, bem como para a análise aprofundada de como se construiu uma linha de metrô. A variedade de material é bastante importante em termos de pesquisa e também de evolução nas técnicas de engenharia adotadas nas obras.

A litoteca deverá receber novidades em breve. Estão em curso as sondagens em solo da Linha 19-Celeste e 20-Rosa que deverão ser alocadas para o ambiente, estando a disposição de técnicos e engenheiros responsáveis pela construção das obras.

Nossos agradecimentos à equipe do Metrô pela possibilidade de visitação do acervo da litoteca e pela presença do geólogo Hugo Rocha pelos diversos esclarecimentos acerca da geologia de São Paulo e da construção de túneis.

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4 comments
  1. O trecho Sumaré Vila Madalena eu já sabia que o solo era contaminado por combustível.
    Nas visitas monitoradas antes da abertura do trecho, um engenheiro do metrô comentou sobre a contaminação e que nunca descobriram de onde vinha, pois no trecho onde passam os túneis nunca teve um posto de combustível.
    Agora que isso reproduziu uma bactéria que “come” concreto foi novidade.

  2. Excelente matéria, esclarecedora, parabéns a tds os envolvidos, obra de gente grande, muita competência envolvida.

  3. Show de matéria. Vi algo parecido quando realizaram as sondagens da antiga Paulipetro, em um laboratório situado no IPT – USP. A complexidade do solo paulistano, com solos e tipos de construções diversas que se contrapõem, valorizam ainda mais a excelência do trabalho da companhia do metropolitano de São Paulo nos projetos e construções de novas linhas.

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