Melhor proposta pelos trens da Linha 17 pode dar origem a “monotrilho caseiro”

A TTrans apresentou como atestado técnico a fabricação do VLT da Baixada Santista, mas o veículo é projeto da Stadler Rail (GESP)

A documentação técnica e legal enviada pelos integrantes do consórcio Signnaling ao Metrô revela que o grupo que fez a melhor proposta para fabricar 14 trens de monotrilho e seus sistemas para a Linha 17-Ouro carece do principal, ser proprietário de tecnologia exigida pelo projeto. Formado pelas empresas TTrans, Bom Sinal e Molinari, o consórcio ofereceu o valor de R$ 1,042 bilhão no leilão, pouco abaixo da segunda colocada, a empresa chinesa BYD (R$ 1,139 bilhão) e que possui um sistema monotrilho de fabricação própria.

O Metrô divulgou nesta segunda-feira (14) a planilha de valores, atestados técnicos, contratos sociais e outros detalhes que são necessários para a habilitação da proposta. Agora, a companhia analisa essas informações e decide por homologá-la ou não. Caso considere a proposta válida, as demais concorrentes poderão entrar com recurso questionando algum aspecto que supostamente invalide a oferta.

Chama a atenção, no entanto, a falta de experiência das três empresas com a fabricação e fornecimento de um sistema monotrilho. A suíça Molinari enviou como comprovação técnica a participação no fornecimento e implantação do sistema CBTC na linha Ampang de metrô leve em Kuala Lumpur. O atestado foi fornecido pela Scomi (empresa que está em processo de falência e deveria ter produzido os trens da Linha 17), que contratou um consórcio liderado pela francesa Thales, real fabricante do sistema de sinalização. A Scomi também contratou a Molinari para alterar alguns requisitos técnicos de seus trens para operação sem condutor, mas sempre em função de uma tecnologia de terceiros.

A situação das sócias brasileiras é mais estranha. A TTrans, de São Paulo, foi parceira da Stadler Rail no fornecimento dos veículos do VLT da Baixada Santista, mas novamente não detém um modelo próprio de monotrilho nem nunca fabricou algo do gênero, embora tenha reformado parte das antigas frotas do Metrô de São Paulo. Já a cearense Bom Sinal, única a ter material rodante próprio, até hoje fabricou apenas VLTs. Na declaração de capacidade técnica fornecida pelo governo cearense, a fabricante seria apta a montar até aviões, entre outros tipos de veículos.

Os documentos enviados pelo consórcio também revelam que a TTrans assumiu o controle da Bom Sinal em julho deste ano, empresa que está em recuperação judicial. A TTrans, por sua vez, tem como sócio a Noah Sistemas de Transportes em Geral desde outubro de 2018 cujo proprietário é o empresário Sidnei Piva de Jesus, que entre outras empresas, possui sociedade no grupo Itapemirim de transporte rodoviário.

Piva de Jesus é apontado como representante legal pelo consórcio embora para fins legais a Molinari seja a responsável. Na constituição do Signalling, a empresa suíça detém apenas 15% de participação contra 53% da TTrans e 32% da Bom Sinal.

A Bom Sinal é a única empresa a ter veículos projetados por ela, mas não monotrilhos (Metrofor)

Monotrilho caseiro

A ausência de material rodante (trem) próprio e de sistemas complexos como o CBTC, portas de plataforma e comunicação denota que o Signalling terá obrigatoriamente que adquirir tecnologia de terceiros e adaptá-la para os padrões do monotrilho da Scomi. Ou seja, a hipótese mais plausível é que teremos uma solução híbrida se o consórcio realmente tiver sua proposta habilitada pelo Metrô.

Isso significa um risco para o projeto? Não necessariamente. Se as empresas conseguirem comprovar competência técnica para fornecer o pacote de sistemas e cumprirem os requisitos exigidos pelo Metrô não há problema. A dúvida é se essa proposta é realmente factível afinal terão de lidar com tecnologia e equipamentos de outras empresas e criar um trem de “monotrilho caseiro” com produção no Brasil reunindo fornecedores diferentes. Isoladamente, elas podem ter experiência em projetos semelhantes, porém, nesse caso trata-se de saber se esse quebra-cabeças conseguirá ser montado.

Pelo ineditismo desse cenário, é de se esperar dificuldades na sua implementação, o que seria extremamente negativo para uma linha de metrô que completará oito anos em obras em 2020. E tudo que a Linha 17-Ouro menos precisa nesse momento é de novos atrasos.

Nota do consórcio Signalling

Na tarde desta terça-feira (15), a TTrans divulgou nota à imprensa (mas que não foi enviada ao site) em que garante ter experiência, assim como suas consorciadas, para executar o projeto do monotrilho da Linha 17-Ouro caso seja mesmo escolhida.

No texto, a empresa dá a entender que produzirá o mesmo monotrilho da Scomi, mas sem explicar como isso será feito. Segundo a TTrans, “foram reduzidas possíveis adaptações para a competitividade de custo e entrega no menor prazo possível, com foco em manter as bases do projeto original da SCOMI, já homologados, minimizando assim possíveis riscos técnicos relacionados aos produtos, sistemas e projeto civil”.

O consórcio também promete entregar os trens em até 50% do tempo estimado pelo edital. A grosso modo, isso significa entregar os primeiros cincos monotrilhos em menos de 500 dias após a assinatura da ordem de serviço – o prazo estimado pelo Metrô é de 930 dias. Nesse cenário hipotético, a linha poderia receber as primeiras composições no final do primeiro semestre de 2021 caso o contrato seja assinado nos próximos meses.

Atualizado às 16h00 para inclusão da nota da TTrans/Consórcio Signalling.

A Molinari participou da implantação do sistema CBTC em parceria com a Thales, em linha de metrô leve na Malásia (Sirap bandung)

 

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