A concessão dos primeiros ramais de trens metropolitanos para a iniciativa privada vem gerando ao longo de vários meses uma série de problemas para os passageiros das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. Falhas, acidentes e fatalidades motivaram uma ação por parte do Ministério Público.
Nesta semana, o caso chegou a um ponto extremo: O MP pretende pedir ao governo a rescisão do contrato de concessão com a ViaMobilidade. Mas, será de fato este o caminho mais sensato a ser tomado?
Para compreender melhor esta questão é necessário analisar alguns pontos importantes que têm forte impacto na decisão final a ser adotada pelo poder concedente.
A CPTM não tem capacidade para reassumir as linhas
Para alguns pode soar irônico o fato de a estatal, que já operou as linhas, deixar de ter capacidade para reassumir a operação das linhas 8 e 9. A capacidade técnica, adquirida por décadas de trabalho, e os equipamentos especiais para manutenção fariam grande diferença, mas o problema aqui está na mão de obra.
Após a concessão das duas linhas, a CPTM iniciou um processo de gradual redução do quadro de funcionários. O Plano de Demissão Incentivada (PDI) enxugou a quantidade de funcionários, sendo que 1.300 foram desligados da estatal.
Isso significa que, por mais que haja capacidade técnica, faltam recursos humanos para operar as linhas. Recentemente, a CPTM cancelou a licitação para contratação de banca para concurso público, o que agrava ainda mais a situação, caso uma rescisão fosse realizada.

Possível indenização bilionária para a ViaMobilidade
A prestação de serviço precária nos primeiros meses de concessão, consequência de uma transição aquém do ideal e da falta de know-how comparado aos funcionários da CPTM, renderam à concessionária multas que chegam a cifra de quase R$ 10 milhões.
Como já apontado em um artigo deste site, a caducidade do contrato pode ser aplicada quando há a constatação de ineficiências por parte do serviço prestado, o que pode gerar uma multa de até R$ 200 milhões.
Porém, há de se ressaltar um ponto pouco discutido: as indenizações à concessionária. A legislação atual, e o próprio contrato de concessão, estabelece normas para indenização em caso de extinção do contrato.
A ViaMobilidade firmou um contrato junto a empresa francesa Alstom para a fabricação de 36 composições. O valor de um trem de oito carros é, levando em conta as recentes aquisições feitas pelo governo do estado, cerca de R$ 40 milhões. Desta forma o investimento aproximado da ViaMobilidade para os novos trens deve ser de cerca de R$ 1,4 bilhão.

Tendo em vista que os trens já estão em fabricação, uma rescisão poderia implicar no pagamento de uma indenização bilionária. Num momento onde o governo tem tendência a “enxugar a máquina” o pagamento de uma multa neste valor pode brecar as tentativas de encerramento do contrato das Linhas 8 e 9.
A atual e a futura gestão não tem interesse em um rompimento
O atual e o futuro governo são alinhados ideologicamente e possuem uma pauta forte muito comum, a promoção de concessões e privatizações. Apesar de o futuro governador já ter declarado que irá impor maior pressão para a melhoria dos serviços da concessionária, dificilmente isso irá se refletir em medidas drásticas.
É preciso apontar que um dos grandes projetos do próximo governo é tirar do papel a Parceria Público-Privada do TIC Eixo Norte, ligando São Paulo, Jundiaí e Campinas com trens de média velocidade.

Uma rescisão de um contrato desse porte pode gerar impactos negativos na futura licitação? Possivelmente sim, e existem alguns motivos para isso.
Uma rescisão poderia indicar uma saída do grupo CCR da disputa pelo TIC. De certa forma, o processo de monopolização do transporte por uma única entidade poderia gerar um serviço, em tese, mais competitivo em termos de qualidade, mas afasta os grandes investimentos do capital privado.
Uma possível fase de transição com a mesma qualidade vista nas Linhas 8 e 9, com o agravante da infraestrutura da Linha 7-Rubi ser sensivelmente pior, dada a idade de sistemas, fatores sociais e técnicos, pode gerar por parte dos futuros concessionários certo receio, principalmente quanto a existência de vícios ocultos.

Muito possivelmente os esforços do MP poderão revelar mais da situação precária que foi instalada no serviço concedido, que praticamente precisou recorrer ao apoio da estatal para conseguir estabilidade na operação e na manutenção.
A aplicação de multas, como instrumento de punição, possivelmente será o melhor caminho a ser adotado como forma de disciplinar a concessionária das já constatadas deficiências operacionais durante o período inicial, bem como de infrações que venham a ocorrer no presente.

Por outro lado, os investimentos na compra de trens, incluindo equipamentos de manutenção, sistemas de sinalização e energia poderão dar maior fôlego e, possivelmente, vão melhorar a qualidade do serviço prestado no médio prazo.
Apesar das perspectivas positivas, alcançadas através de investimento massivo, a concessionária não pode se dar ao luxo de cometer equívocos, sob o custo de prejudicar milhares de pessoas. Neste sentido, a atribuição e assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) soaria como razoável e demonstraria interesse explícito em melhorar a operação, algo que não ocorreu.

No fim esse será mais um capítulo de uma concessão que não se mostrou, ainda, capaz de trazer o serviço padrão “ViaQuatro” à tona. É claro e visível que isso só será possível após ações de peso, algo que não se faz da noite para o dia.