Se Curitiba é o berço do “BRT” (Bus Rapid Transit), um corredor de ônibus inspirado em linhas metroferroviárias, Bogotá é sua grande estrela. É na capital da Colômbia que está o aclamado Transmilênio, um sistema de transporte por ônibus que é citado por dez em dez “especialistas” em mobilidade como a melhor solução para os males do trânsito nas grandes metrópoles. Ironicamente, Bogotá acaba de anunciar o consórcio que construirá e operará por 20 anos a sua primeira linha de metrô, com 24 km de extensão, toda ela elevada.
O consórcio APCA Transmimetro, liderado pelas empresas China Harbour Engineering Company Limited e Xi’An Metro Company Limited hoy Xi’An Rail Transportation Group Company Limited, com o apoio da subsidiária espanhola da Bombardier e o escritório brasileiro da também chinesa CRRC, terá a responsabilidade de implantar a linha em um prazo máximo de sete anos e operá-la por duas décadas. O valor da oferta foi de US$ 4,070 bilhões contra US$ 4,4 bilhões do consórcio Metro de Bogota, ou seja, a um custo por km de cerca de R$ 700 milhões.
A licitação do governo colombiano em parceria com a prefeitura de Bogotá é o fim de uma novela que durava 70 anos, quando surgiram os primeiros estudos de criação de uma linha de metrô na cidade. Localizada na Cordilheira dos Andes, a cidade fica a cerca de 2.600 metros de altitude e possui mais de 7 milhões de habitantes. Sua malha viária, com avenidas bastante amplas, no entanto, pegou carona na onda carrocêntrica que fez com que as iniciativas para a implantação de um transporte sobre trilhos fossem sempre adiadas.

Diante de um caótico sistema de transporte coletivo com uma malha desorganizada, Enrique Peñalosa, prefeito da capital colombiana no final dos anos 90, preferiu ignorar o metrô, que havia sido inaugurado em Medellin, e investir nos corredores de ônibus inspirados no sistema curitibano sob o velho pretexto da “economia”, ignorando outros fatores como poluição, degradação do entorno e segurança. Nada disso impediu que o político circulasse mundo afora pregando os milagres do BRT, incluindo o Brasil na época que cidades como o Rio de Janeiro replicaram seu exemplo.
Aberto em 2000, o Transmilênio tornou-se um monstro literalmente. Ocupando imensas canaletas com pistas de ultrapassagens, o sistema tem hoje, segundo dados da prefeitura, 114,4 km de extensão por onde circulam mais de 8,5 mil ônibus, entre biarticulados, articulados e pequenos ônibus complementares. Para movimentar essa frota são precisos 18,5 mil motoristas que transportam diariamente cerca de 2,4 milhões de passageiros.

Ônibus relegados ao seu papel alimentador
Mesmo sendo o modal preferido dos políticos latino-americanos por sua implantação veloz e convenientemente “encaixada” em mandatos eleitorais, o Transmilênio não conseguiu transformar Bogotá em um exemplo de mobilidade. A capital colombiana padece do mesmo mal de Curitiba: excesso de transporte individual. De acordo com dados da consultoria Inrix, que divulga anualmente o ranking de cidades mais congestionadas do mundo, Bogotá figura na 3ª posição, atrás apenas de Moscou e Istambul – São Paulo é a 5ª colocada da lista.
Vale lembrar que até Londres, meca do metrô, vai mal nesse índice: é a 6ª colocação mesmo com uma rede de trilhos imensa e restrições ao uso dos carros, mas a capital britânica, assim como São Paulo, não dispõem de avenidas tão largas muito menos uma opção de transporte rápido na superfície como Bogotá. Nas duas cidades, os ônibus disputam espaço com os carros na maior parte do tempo.

Por esses motivos, a escolha do metrô pesado em via elevada (algo raro com tamanha envergadura) pelos colombianos é um caso a ser analisado. Maior metrópole da América do Sul que não possui uma linha sequer de trem urbano, Bogotá está pagando caro por ter buscado uma solução paliativa e desconectada com a realidade. A fatura está sendo cobrada há bastante tempo, mas mesmo esses sinais de saturação e falta de atratividade do BRT não parecem ser ouvidos pela classe política. Em Curitiba, a prefeitura resolveu oferecer desconto nas tarifas dos ônibus para tentar tirar público do transporte individual, já em São Paulo a SPTrans registra queda na demanda há vários anos em contraste com o aumento dos subsídios para manter o sistema.
Ao menos em Bogotá, o metrô fará o ônibus assumir o papel para o qual ele foi criado, o de alimentar sistemas-tronco de alta capacidade (vulgo trem): das 16 estações dez terão conexão com o Transmilênio. A primeira linha de metrô da cidade será operada com 30 trens com capacidade para 1.800 passageiros que devem transportar 72 mil passageiros por hora/sentido, ou seja, mais de um milhão de usuários por dia em seus quase 24 km.
A velocidade média dos trens será de 43 km/h, mais de 60% acima do Transmilênio em seu serviço-tronco. Em vez de largas canaletas apinhadas de veículos e “estações” sobrecarregadas, o metrô promete um paisagismo adequado e ciclovias sob as vias – embora é certo que a área de sombra será consideravelmente maior que a de um monotrilho.
No entanto, os cidadãos da capital da Colômbia só poderão fazer uso do novo sistema entre 2025 e 2027, se as obras correrem de forma mais veloz do que o planejado. Ou seja, longe do alcance dos políticos que a viabilizaram, provavelmente. Por falar neles, adivinhem quem estava no evento em que foi anunciado o vencedor da concorrência? Sim, ele mesmo, o prefeito Enrique Peñalosa, pai do Transmilênio e que parecia muito feliz em ter viabilizado a primeira linha de metrô de Bogotá. Quem te viu, quem te vê…
