Extensão do estrago causado pelo esgoto nas obras da Linha 6-Laranja permanece desconhecida

Passados 17 dias desde o alagamento dos túneis e tatuzões, Acciona e Sabesp ainda não divulgaram causas do acidente. Danos podem ser maiores do que inicialmente pensado
O poço Se Aquinos, onde houve a ruptura que inundou os túneis e os tatuzões da Linha 6 (iTechdrones)

Horas após o rompimento do interceptor de esgoto sobre a tuneladora sul da Linha 6-Laranja e consequente o desabamento de parte das pistas da Marginal Tietê em 1º de fevereiro, a Acciona, construtora responsável pela obra, a Sabesp e outros órgãos agiram de forma rápida para conter maiores danos.

O resultado é que já no dia seguinte havia uma certa estabilidade na cratera aberta ao lado do poço do SE Aquinos, onde se localiza o tatuzão. Para isso, a construtora despejou toneladas de concreto além de encher boa parte do poço com rochas a fim de estancar possíveis vazamentos.

Pouco tempo depois, a Sabesp e a Acciona começaram a retirar o esgoto que tomou os túneis e poços já escavados, na esperança de esvaziar esses locais e ser possível mensurar os danos após o acidente.

Parecia que o cenário seria menos grave do que as imagens que circulavam desde o dia do acidente indicavam. O governo Doria se apressou em apontar responsáveis e em afirmar que as peças do tatuzão afetado já estariam sendo encomendadas e que o cronograma de abertura do ramal continuava marcado para 2025.

Mas o passar de tempo tem evidenciado que o episódio produziu mais problemas do que se imaginava, maculando uma das obras metroferroviárias que serviria de vitrine eleitoral para o governador, indicado pelo seu partido, o PSDB, como pré-candidato à Presidência da República.

Diagrama que mostra por onde o esgoto invadiu a área da obra da Linha 6 (Acciona)

Após um início em que buscou comunicar todas as ações de contenção do problema, o governo abandonou a iniciativa de explicar o que está ocorrendo, apenas divulgando informações pontuais, geralmente quando questionado pela imprensa ou, por exemplo, pelo Ministério Público.

Nesse meio tempo, a retirada de esgoto sofreu um revés, com a volta da elevação do nível de material nos poços, um sinal de que ainda existe algum tipo de vazamento na região. A Acciona chegou a suspender o bombeamento, mas retomou o trabalho nos últimos dias. Ainda assim, é visível que essa atividade levará bastante tempo para ser concluída.

Danos esperados nos tatuzões

O tempo prolongado em que os tatuzões se encontram em meio ao esgoto só reforça a sensação de que a Acciona terá um longo trabalho para recuperá-los.

Os dois TBMs (Tunnel Bore Machine, sigla pela qual são chamados por especialistas), foram fabricados entre 2015 e 2016 na China, pela francesa NFM e a chinesa NHI. No entanto, a segunda faliu em 2018, deixando sua parceira em busca de outro investidor.

Em 2020, o grupo francês BMS assumiu a NFM e a transformou numa empresa de consultoria e engenharia e que também fornece peças de reposição para seus tatuzões. No site da NFM aparece a Acciona como uma de suas clientes.

A construtora espanhola, no entanto, contratou a alemã Herrenknecht, concorrente da NFM, para assessorá-la na escavação com os tatuzões chineses.

Maquete do tatuzão da Linha 6: fabricante passou por problemas financeiros (Jean Carlos)

Perturbação pequena

O site conversou com Tarcisio Celestino, Professor Doutor no Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo e Gerente de Engenharia Civil da Themag Engenharia.

Um dos maiores especialistas do assunto, ele foi presidente da International Tunneling and Underground Space Association (ITA) de 2016 a 2019.

Tarcisio tem acompanhado o desenrolar do caso e se mostrou seguro que boa parte das tuneladoras possa ser recuperada. “A parte externa do TBM não me preocupa. Ele é parrudo, tem uma cabeça de corte com materiais de altíssima resistência”, disse.

“Mas há muita coisa, não só estoque de equipamento, mas principalmente a ‘cabine de controle’ do TBM, com toda a eletrônica que é embarcada e que está submersa há muito tempo,” observou.

Tarcisio Celestino, Professor Doutor em Geotecnia

Perguntamos sobre a hipótese levantada por associações de funcionários da Sabesp e do Metrô que afirmaram que o tatuzão passou muito perto da tubulação, apenas três metros quando seriam necessários ao menos 20 metros, segundo elas.

“Não concordo com a nota do sindicato de profissionais da Sabesp. A regra que eles dizem é que é preciso dois diâmetros, o túnel que está sendo escavado tem cerca de 10 ou 11 metros, então deveria estar a 20 metros de distância”, afirmou o engenheiro.

“É fato que dois diâmetros (de distância) a perturbação será pequena. Mas se seguirmos esse mesmo critério, a Linha 4-Amarela cruzou a Linha 2-Verde na Paulista a menos de um diâmetro de distância e não houve qualquer problema”, pontuou.

Sobre o possível reflexo da passagem da tuneladora no interceptor, Tarcisio acredita que é limitado.”Os assentamentos (deslocamentos de terra) provocados por esses TBMs de última geração, se alguém me disser que foi de um centímetro não me assusta”.

“Agora esse centímetro se espraia por uma bacia de recalque de 30 a 40 metros, aproximadamente. Desculpe, isso é muito pouco para causar um problema tão grande”, conclui.

Perícia técnica na rede de transmissão de energia

Nesta sexta-feira, 18, a ISA CTEEP, responsável pela rede de transmissão de energia que passa pelo local, iniciou uma perícia técnica para conferir a integridade dos cabos subterrâneos. O trabalho deve levar uma semana e é um dos pontos críticos para que os possíveis danos possam ser sanados.

Será preciso também identificar como o interceptor foi afetado e qual será o procedimento para recuperá-lo, assim como entender até que ponto o SE Aquinos foi danificado não apenas pelo esgoto, mas também pelo despejo de argamassa e pedras.

Outro aspecto ainda pouco claro é a extensão do prejuízo em relação ao segundo tatuzão, chamado de tuneladora norte por ter como objetivo escavar 5 km de túneis em rocha no sentido Vila Brasilândia. Sabe-se que ele estava apenas parcialmente montado, mas até aqui a Acciona não explicou que estruturas e equipamentos foram atingidos no túnel.

Vale lembrar que os trabalhos nos demais canteiros da Linha 6-Laranja continuam, o que é um bom sinal, mas não é possível separar o problema com os tatuzões do restante da obra. Embora hoje essas frentes estejam evoluindo sem dificuldades, fato é que o atraso na escavação dos túneis, cedo ou tarde, vai refletir no cronograma como um todo. Resta saber quanto.

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3 comments
  1. Eu já achava difícil entregarem em 2025, pois 2026 é ano de eleição presidencial e de governador, então achei que eles iam em algum momento segurar um pouco a obra pra ela ir pra março de 2026.

    Agora após isso tudo, que ainda nem se quer foi resolvido, se não atrasar pra 2027 ou depois eu já considerarei uma vitória.

  2. Muito bom texto. Parabéns!

    Apenas no primeiro parágrafo se fala nas pistas da Marginal Pinheiros, mas é Marginal Tietê.

    Não tem como garantir 2025, isso não vai acontecer. Com certeza essa obra será entregue bem depois, 2026, 2027.

  3. Será que a tubulação de esgoto da região tinha algum “vício oculto” que cedo ou tarde com a própria movimentação do trânsito da marginal e pressão da água do esgoto, iria romper-se?

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