O leilão do Trem Intercidades SP-Campinhas foi um sucesso? Com apenas um participante e uma proposta de desconto simbólica, de apenas 0,01%, o certamete realizado em 29 de fevereiro frustrou a quem esperava por uma disputa por um projeto bilionário e cheio garantias do estado.
Nomes fortes como a CCR e a Acciona, além de potenciais grupos internacionais que foram alvo de visitas de membros do governo e do próprio governador, não apareceram, deixando no ar que o TIC Eixo Norte não é algo tão atrativo quanto possa parecer.
Para tentar entender que houe e imaginar as perspectivas para outros leilões de trens intercidades, é preciso levantar questionamentos quanto a estratégia do governo do estado em promover a expansão da rede sobre trilhos em âmbito regional.
1 – Complexidade do projeto (infraestrutura)
O projeto do TIC, apesar de ter sido bastante simplificado, não o poupa de necessitar de grandes obras e remodelações na topografia. As condições geográficas da região onde a Linha 7-Rubi se insere são desafiadoras.
A proposta do Trem Intercidades exigirá, conjugado com a segregação de cargas em determinadas regiões, a ampliação do trecho com mais duas ou três vias adicionais. Isso significa que mais espaço deverá ser disponibilizado para a implantação dos novos serviços.
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Essa ampliação poderá ser simplificada em regiões com terrenos favoráveis, mas desafiadora em locais urbanizados ou com presença de condições topográficas adversas como montanhas e vales.
O projeto necessitará de grandes movimentações de terra. Cortes e aterros deverão ampliar o leito das vias. Além disso, viadutos e túneis deverão ser incluídos no projeto.
Com base nisso, o projeto do TIC exigirá uma equipe de engenharia bem preparada e em grande volume para consignar todas as melhorias que possibilitarão a implantação da infraestrutura. O fator “projeto” exige expertise de quem queira levar o TIC adiante.

2 – Projeto de alto risco (financeiro)
O aspecto financeiro é um fator que pesa na implantação do trem de média velocidade. O custo estimado do projeto é de R$ 14,2 bilhões.
Apesar das estimativas, os valores podem variar de diversas formas. As condições econômicas em âmbito nacional e internacional podem fazer os valores variarem com o passar do tempo.
Custos adicionais para a mitigação de impactos ambientais e desapropriações podem ser um risco se não forem bem calculados. Os eventuais danos ao cronograma podem significar perda de receita no longo prazo.
Aliás, a receita é um fator importante. O TIC não é um mero projeto de mobilidade de viés social, é uma proposta de negócio que visa a obtenção de lucro, apesar do fato de o estado bancar resultados negativos. A estratégia da concessionária deverá definir o sucesso ou não do novo serviço.
3 – Fornecedores e contratos
Outro ponto vital para o sucesso do TIC são os fornecedores e os contratos com terceiros. Obviamente, uma concessionária não tem capacidade de implantar todas as disciplinas relacionadas a um trem de média velocidade.
Portanto, em alguns aspectos, existe a dependência dos fornecedores externos. Sistema de energia, sinalização, telecomunicações e civis exigem empresas especializadas.
Neste ponto algumas empresas de determinados setores podem se associar para minimizar custos e garantir receitas. Porém, em algumas situações as empresas podem se apresentar mais conservadoras e proporem orçamentos acima do razoável, encarecendo o projeto.
Não é errado uma empresa visar uma boa margem de lucro, mas em se tratando de um projeto como o TIC, que requer colaboração de todas as partes envolvidas, seria necessário que o bom senso prevalecesse.

4 – Vantagens para o estado?
Diante destas e de demais complexidades, o resultado final foi apenas uma única proponente que ofereceu o desconto mínimo para o certame. Diante deste cenário devemos questionar: o projeto está equivocado?
A modelagem se baseou em investimentos mistos entre governo e iniciativa privada durante os seis anos de implantação do TIC, e em uma receita de mitigação (contraprestação pecuniária) que teria papel de equilíbrio no longo prazo.
A expectativa era de que a disputa pudesse gerar maiores descontos para o estado de São Paulo nos valores de contraprestação pecuniária. Isso seria possível caso o interessado privado tivesse uma proposta competitiva.
Uma proposta competitiva é a somatória de todos os fatores listados acima: Equipes preparadas para projetos de infraestrutura, boa modelagem econômico-financeira de CAPEX e OPEX, e contratos bem amarrados com fornecedores de qualidade.
A falta de competição, marcada pela retirada do Grupo CCR na disputa, abriu margem para que o Grupo Comporte arrematasse o TIC por “WO”, obtendo assim uma margem de lucro maior.

5 – Os futuros projetos
Não é bom que projetos da envergadura do Trem Intercidades sejam protagonizados por poucas empresas e com propostas tímidas. Se a ideia é chamar a iniciativa privada para o palco o que se espera é a mitigação do custo global dos empreendimentos através de maior aporte das empresas interessadas.
Seria lógico que a competência e articulação empresarial fosse o fator diferencial na disputa. No final o estado vai, em termos globais (30 anos), bancar 100% do projeto e o excedente será repassado para o novo operador.
Isso não significa que o Grupo Comporte e a CRRC não irão investir nada. O consórcio C2 Mobilidade deverá aportar cerca de R$ 5 bilhões na construção. Mas este valor será recuperado ao longo dos 30 anos, como é natural.
O governo precisará de maior articulação junto às operadoras nacionais, fabricantes de trens, sistemas e empresas de engenharia para obter propostas mais vantajosas.
Contratos deverão ser aprimorados para tornar não só o serviço mais atraente, mas para permitir menor participação do estado e maior prevalência do privado em termos de investimentos.

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Conclusão
Temos outros três projetos de TIC pela frente: Sorocaba, São José dos Campos e Santos. Não se pode correr o risco de repetir o equívoco do TIC Campinas. Este ponto deve ser posto em discussão profunda dentro das pastas do governo.
Precisamos redefinir seriamente o conceito da palavra “sucesso”. Não é porque um projeto importantíssimo para São Paulo deu seu primeiro passo que devemos apenas comemorar. Pelo contrário, é preciso estar de olhos atentos para o futuro.
Não colocamos apenas em questão a capacidade das empresas privadas em executar o projeto, mas, quanto o estado é capaz de suportar processos, nitidamente, desvantajosos.
Por fim, falta ainda o ângulo do usuário, afinal o objetivo primordial de todo o processo é oferecer um transporte de qualidade e sustentável à sociedade. Que encurte caminhos, reduza a poluição e custos e proporcione maior qualidade de vida para a população.
Sob essa ótica, o TIC SP-Campinas ainda tem muito a comprovar.