Novos projetos metroferroviários estão exigindo cada vez mais investimentos e qualificação técnica para saírem do papel. A iniciativa privada, que deveria assumir o papel de protagonista, aparentemente, busca mais e mais ajuda do estado.
Diversas reclamações dos principais concorrentes ao projeto do Trem Intercidades Eixo Norte estão fazendo o governo rever sua posição para tornar o processo mais atrativo sob o pretexto de “segurança”. Alguns pontos de fato requerem maior cuidado, porém, outros são meramente subserviência.
Uma transição responsável
Dentre os aspectos que requerem maior cuidado está a fase de transição operacional. O foco aqui é evitar a operação precária como a que ocorreu no primeiro ano da concessão das Linhas 8 e 9 operadas pela ViaMobilidade.
Para isso uma série de ajustes foi realizada. O tempo de transição será aumentado de sete meses para um ano. O aluguel de equipamentos da CPTM permitirá uma passagem menos conturbada em termos de manutenção, o que não desfalcaria a linha da noite para o dia.

Trens bancados pelo governo
A questão da demanda e tarifa do Trem Intercidades e Trem Intermetropolitano foram revistas. O site fez um artigo mostrando que o governo optou por uma lógica tarifária prejudicial ao passageiro no serviço metropolitano entre Jundiaí e Campinas que terá passagem mais cara, tirando o caráter social do serviço.
O TIC por sua vez será alvo de aporte estatal nas tarifas que poderá garantir receita de pelo menos R$ 13,5 bilhões. A incerteza e receio de uma demanda menor para o serviço expresso fizeram o estado atuar para, mais uma vez, tornar o serviço atrativo os investidores. O que deveria ser um modelo de negócio puramente privado, se tornará parcialmente financiado com dinheiro público.

PPP – Pouca Participação Privada
As solicitações de aumento no investimento público são praticamente inconcebíveis. Na revisão do projeto, o governo do estado poderá aportar 8,5 bilhões nas obras do Trem Intercidades, que inclui principalmente o investimento público na construção. Também poderá haver o recebimento da contraprestação pecuniária estimada em R$ 7,6 bilhões, que será paga mensalmente à operadora.
As sugestões da iniciativa privada eram de aumentar o valor de aporte público para até 80%. Isto é, basicamente, deixar a maior parte do investimento para o governo. Se a lógica da PPP é diminuir a participação do estado e aumentar a do privado, é um contra senso querer depender do governo na hora de colocar a mão no bolso.
Muleta técnica
Segundo informações do novo edital republicado, funcionários da CPTM serão cedidos por 180 dias para a nova operadora. A ideia é manter parte da experiência do pessoal que já atua na Linha 7-Rubi durante os primeiros meses da concessão.
O que pode ser visto como uma ajuda estratégica para facilitar o processo de transição, também pode ser interpretado como uma nítida incapacidade técnica de gerir e operar uma ferrovia.
As estatais mantém funcionários especializados durante muitos anos e, periodicamente, renova os quadros para formar aos poucos novos profissionais. Essa lógica permite a inserção de novos funcionários sem abrir mão da expertise dos antigos no curto prazo.
Quando um novo operador entra em cena, muitas vezes os profissionais mais experientes são demitidos, ora pela idade, ora pelo salários muito bem pagos. É preciso recorrer à um misto de profissionais com experiência prévia, geralmente que já trabalham nas estatais, e novos funcionários, boa parte sem conhecimento específico ferroviário. Isso pode impactar na qualidade dos serviços.

Para além da própria fase de transição, onde os funcionários serão ensinados a operar o trecho, manter pessoal da CPTM na concessão como apoio técnico, além de ser constrangedor para o profissional que foi removido de seu local de trabalho, é lesivo ao estado, que deixará de contar com profissionais experientes nas demais linhas públicas. Apesar disso, a concessionária deverá ressarcir a CPTM pelo uso destes funcionários.
Conclusão
O relançamento do edital do Trem Intercidades é uma demanda exclusivamente da iniciativa privada. As revisões para tornar o projeto mais “atrativo” nada mais são do que o reflexo da subserviência do governo do estado perante a um setor privado completamente dependente do poder (dinheiro) público.
Diante de tal constatação questiona-se: para que serve uma PPP? Diferentemente do que se vê na Linha 6-Laranja, onde a iniciativa privada é posta em sua máxima potência, destravando um projeto de mobilidade relevante, determinados grupos querem ao máximo contar com as muletas do estado.

O foco da PPP deveria ser justamente o oposto, o maior investimento privado para permitir que projetos urgentes saiam do papel com maior velocidade, atendendo a mais passageiros.
O exemplo do TIC Eixo Norte faz pensar se a iniciativa privada está mesmo temerosa em assumir uma concessão de risco ou se na verdade busca garantir um lucro fácil usando dinheiro público para isso.