Já se passaram seis meses desde que o governador João Doria anunciou o fim da Linha 18-Bronze, de monotrilho, uma Parceria Público-Privada cujo contrato havia sido assinado em 2014 pelo seu antecessor, Geraldo Alckmin. Como solução para substituir a linha de metrô do ABC Paulista, a atual gestão elegeu o BRT, corredor de ônibus com faixas de ultrapassagens que conta com um grande lobby de políticos e empresas do setor automotivo e de transporte.
Na ocasião, Doria e sua equipe salientaram que o BRT seria uma solução barata, capaz e rápida se comparada ao monotrilho. O prazo de construção foi estimado inicialmente em apenas 18 meses a partir da ordem de serviço, ou seja, quando de fato o consórcio que será contratado para executar a obra recebe luz verde para trabalhar. No entanto, até hoje pouco se sabe sobre o corredor de ônibus.
As poucas informações fornecidas pelo governo desde 03 de julho, data do anúncio, sugeriram que o traçado será semelhante ao da Linha 18-Bronze, mas com um possível acréscimo de um trecho entre São Caetano e a estação Sacomã do Metrô, também vizinha de outro corredor de ônibus, o Expresso Tiradentes. Em setembro, durante reunião com os prefeitos da região, o secretário dos Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, também atualizou a estimativa de custo do modal, de R$ 680 milhões para R$ 860 milhões.
Nesse mesmo encontro, o secretário estimou que a licitação da obra ocorreria até o final do ano passado e as obras, iniciadas neste semestre. O prazo da obra também cresceu e já era estimado em dois anos. Desde então, o governo tem dito em diversas oportunidades que apresentaria os detalhes do projeto do BRT até o final de 2019, o que acabou não ocorrendo. O site enviou um questionamento a respeito do novo prazo para a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, mas não obteve resposta até a publicação deste artigo.
História nebulosa
A demora em apresentar qualquer plano mais realista sobre o corredor de ônibus só reforça a impressão de que a atitude do governo Doria foi tudo menos planejada e que não foi baseada numa decisão técnica. Como tem ficado cada vez mais evidente, não existia qualquer estudo ou projeto que embasasse os argumentos da atual gestão na defesa do BRT e, sobretudo, na desqualificação do projeto do monotrilho da Linha 18-Bronze.
O motivo do cancelamento da PPP, por exemplo, já teve diversas causas apontadas. Uma delas foi o alto custo, estimado em R$ 6 bilhões em valores atuais, mas, como já explicado em outras oportunidades, por se tratar de uma parceria público-privada, cabe ao sócio privado arcar com ao menos metade desse valor, senão mais afinal os custos variáveis ficam com este.
A caducidade do decreto de desapropriação original também foi apontado no ano passado como uma das dificuldades, entretanto, desde novembro ele poderia ser reeditado. Sobre recursos para pagar esses imóveis, não parece ser um problema para a atual gestão, que tem anunciado vários projetos bilionários como o da Linha 2-Verde ou a retomada da PPP da Linha 6-Laranja.

Outro argumento pouco claro diz respeito a uma suposta demanda menor. Ao contrário dos estudos públicos do próprio governo, que apontam ao menos 340 mil pessoas atendidas por dia, Doria e sua equipe calcularam um volume de 150 mil usuários/dia. Essa estimativa permanece um mistério já que até hoje nunca foi apresentado qualquer dado que corrobore essa afirmação.
Ademais, um corredor de ônibus, por mais eficiente que seja, certamente não tem o mesmo poder de atração de uma linha de metrô. O principal motivo no caso de São Paulo está na tarifa: hoje por R$ 4,40 é possível utilizar os mais de 270 km de trilhos enquanto o ônibus exige o pagamento de um valor extra, e que espanta a maior parte do público. Esperar a mesma isonomia de um BRT parece temeroso visto que corredores da EMTU não são integrados com isenção de tarifa atualmente.
Até mesmo o responsável por cancelar o projeto do monotrilho mudou. Em outubro, Baldy participou de uma reunião com deputados estaduais na Assembléia Legislativa em que isentou o executivo da decisão: “A definição e a posição da linha 18 Bronze foi uma posição técnica do Conselho Gestor de Parceria Público-Privadas que é de responsabilidade do comitê gestor e da Procuradoria Geral do Estado e, portanto, não cabe à secretaria discutir o cancelamento dessa linha do metrô”, afirmou aos presentes.
Vale ressaltar que a reunião do conselho gestor, constituído por nomes indicados pelo próprio governador e que sacramentou a decisão de rescindir o contrato da PPP, foi realizada bem depois do anúncio do cancelamento. Em outros anos e gestão, esse mesmo conselho (evidentemente com outros membros) havia mantido o contrato da Linha 18 válido a despeito das perspectivas ruins de obter o empréstimo para as desapropriações.
Contrato ativo
Apesar de toda retórica do governo, curiosamente o contrato da Linha 18-Bronze permanecia vigente até o final de 2019, conforme relatou o jornal Diário do Grande ABC em artigo de dezembro. A publicação entrevistou o presidente do consórcio VEM ABC, Maciel Paiva, que confirmou que a empresa segue funcionando já que não houve nenhum contato da gestão Doria com o intuito de rescindir o contrato, segundo ele.
Ainda não está claro como o governo do estado e a concessionária resolverão esse distrato. Em julho, o vice-governador Rodrigo Garcia comentou que esperava uma rescisão amigável e sem qualquer custo para o estado. Já a VEM ABC voltou a afirmar que cobrará um ressarcimento pela quebra de contrato, afinal investiu dinheiro no projeto mesmo enquanto não recebia a ordem de serviço para iniciar a obra de fato. O relógio continua contando.
