Em recentes declarações, o secretário Alexandre Baldy, da pasta de Transportes Metropolitanos, sacou mais uma desculpa para o inexplicável e injustificável cancelamento da Linha 18-Bronze, a informação de que a Pesquisa Origem e Destino do Metrô detectou a redução da demanda de passageiros nesse eixo em sua mais recente edição, de 2017.
O site se debruçou nos números do levantamento realizado pelo Metrô e que serve como balizamento para estratégias de expansão da rede sobre trilhos. Nada do que se vê nesses dados corrobora a afirmação do político goiano. Pelo contrário, constata-se claramente que São Bernardo do Campo, o município que teria o maior impacto com a implantação do monotrilho, vive um isolamento em mobilidade urbana único, como se fosse uma “ilha” na região do ABC.
Como contraponto, o site comparou os números com a vizinha Santo André, que é atendida pela Linha 10-Turquesa, da CPTM. Pois bem, enquanto o número de deslocamentos principais por Metrô e CPTM cresceu 0,4 ponto percentual em São Bernardo, Santo André teve uma expansão na participação dez vezes maior: 4% comparado à Pesquisa OD de 2007.
Embora nenhuma das duas conte com uma linha de metrô, seus moradores acabam utilizando o modal em seus deslocamentos completos, daí aparecerem na pesquisa. No entanto, por conta da linha Turquesa, os Andreenses se beneficiam de uma ligação rápida e não tarifada com as linhas do Metrô em Tamanduateí e Brás. Em São Bernardo, as opções mais próximas para chegar à malha metroviária são as distantes estações Jabaquara, Sacomã ou Tamanduateí, neste caso via Santo André ou São Caetano, atendidas pela CPTM.

Na contramão desse crescimento, os ônibus tiveram queda de participação de 5,4% em São Bernardo e 4,4% em Santo André entre 2007 e 2017, um evidente sintoma da rejeição a esse modal, defendido pelo governo Doria exclusivamente para o ABC (outras regiões da Grande São Paulo têm sido agraciadas com projetos sobre trilhos com prazos mais realistas).
A Pesquisa OD de 2017 também revela alguns fatos curiosos. Enquanto Santo André teve aumento do uso de automóveis e queda nos modais não motorizados, São Bernardo viu seus moradores realizarem mais deslocamentos a pé ou utilizando motos. Pode ser um reflexo do empobrecimento do município, afetado pela crise econômica, o que em tese é agravado pela dificuldade de chegar a regiões com mais empregos como a capital.
Três em cada quatro passageiros em São Bernardo não deixa o município
Um indício bastante claro dessa hipótese aparece em outro parte do levantamento do Metrô, os destinos de quem utiliza o transporte coletivo nos dois municípios.
Nada menos que 75% das viagens realizadas no transporte coletivo em São Bernardo se restringem a destinos dentro do próprio munícipio. Em Santo André, essa participação é bem menor, de 57%, uma queda de quase dois pontos percentuais em relação a 2007. Na cidade administrada pelo tucano Orlando Morando, defensor do BRT, a proporção de viagens internas na cidade era de 67% em 2007.

Mais grave que isso é constatar que menos de 11% das viagens no transporte coletivo em São Bernardo têm destinos fora do Grande ABC. Em Santo André, essa proporção é mais do que o dobro, com 23% dos trajetos indo além da divisa dos sete municípios.
Os São-Bernardenses, inclusive, se deslocam bem menos que seus vizinhos para regiões mais próximas como a Zona Sul de São Paulo. Apenas 1% das viagens teve como destino áreas como Santo Amaro, Campo Belo, Moema e Brooklin, por exemplo. Os usuários oriundos de Santo André, a despeito da distância, representaram 1,6% dos deslocamentos a partir da cidade.
Parece um cenário trágico, mas é certamente pior do que isso. O motivo é que a Pesquisa OD foi realizada antes que boa parte da expansão da rede metroferroviária ficasse pronta. Em 2017, a Linha 5-Lilás chegava apenas à região de Santo Amaro, a Linha 15-Prata se limitava a um trecho com duas estações e a Linha 4-Amarela ainda tinha quatro estações em construção, sem falar na entrega da Linha 13-Jade da CPTM, que só ocorreu no ano seguinte.

Quase 100 mil passageiros a mais na Linha Turquesa em 10 anos
Em suma, isso significa que o abismo entre Santo André e São Bernardo só piorou desde então. E a conclusão é óbvia, embora convenientemente esquecida pelo governo Doria: é o transporte sobre trilhos que atrai demanda, oferece rapidez, economia de tempo e dinheiro – e de quebra traz requalificação do eixo por onde passa.
Basta ver o impacto que a Linha 10-Turquesa teve nos últimos anos. Segundo dados obtidos pelo site, o ramal da CPTM, que ainda carece de intervalos menores e estações modernizadas, viu seu movimento diário crescer 37% entre 2007 e 2017.

Nada menos que 94 mil pessoas passaram a utilizar a linha em 10 anos, a despeito de todas as limitações. Ou quase a capacidade do nefasto “BRT” de Doria (115 mil usuários/dia, segundo dados recentes).
Alguém duvida que uma ligação verdadeiramente segregada como a Linha 18-Bronze, com tempo de viagem total de 26 minutos entre o centro de São Bernardo e a estação Tamanduateí, não seria capaz de atrair 340 mil passageiros por dia?
E isso com 11 paradas pelo caminho e não um serviço ‘expresso’ de ponta a ponta que ainda assim demora 40 minutos para fazer o mesmo. Que dirá os ônibus que atenderão a todos os pontos…
Como se vê, a Pesquisa OD do Metrô revela que a população de São Bernardo sofre com um isolamento danoso em relação à São Paulo, causado pela aposta no modal rodoviário. É como ministrar um inibidor de apetite para um doente e depois afirmar que sua desnutrição significa que ele não precisa se alimentar porque está “sem fome”.

Como fica a integração gratuita?
É evidente que o corredor de ônibus não terá capacidade de impactar a região e sobretudo São Bernardo da mesma forma, se é que fará isso de fato. Em vez de retirar 270 ônibus e 5.000 automóveis de circulação, como faria o monotrilho, o ABC ganhará mais 82 veículos articulados – ignora-se quanto veículos particulares eles poderão retirar das ruas mas com uma capacidade de um terço da Linha 18 é de se imaginar um número bem inferior.
O que tem sido ignorado, intencionamente ou não, é que a Linha 18-Bronze teria significado uma integração rápida e gratuita com mais de 370 km de trilhos, enquanto no BRT da Metra, esse aspecto não foi esclarecido até agora – o site enviou várias questões para a EMTU, mas não foi respondido até a publicação desse artigo.