Vinte meses após anunciar o cancelamento da Linha 18-Bronze do Metrô, num retrocesso até então inédito em mobilidade urbana em São Paulo, o governador João Doria apresentará nesta sexta-feira, 7, o projeto do ‘BRT ABC’, corredor de ônibus que será implantado e operado pela empresa Metra.
A má notícia (entre tantas outras) para a população do ABC é que o prometido sistema de transporte “equivalente a um metrô” levará nada menos que 40 minutos para percorrer o trajeto entre os terminais São Bernardo e Sacomã, um dos destinos do corredor, que também deve atender a estação Tamanduateí, como faria o ramal de monotrilho.
O tempo de viagem é 55% superior ao estimado para a Linha 18-Bronze, que partiria de uma distância maior (estação Djalma Dutra) e levaria pouco menos de 26 minutos para percorrer 15 km. A grosso modo, serão perdidas cerca de 10 horas mensais, ou mais do que um dia de trabalho no caso dos usuários do futuro corredor que pretendem chegar à rede metroviária de São Paulo no modal substituto.
Mas pode ser pior: a viagem de 40 minutos, segundo o governo, é o tempo que levará o serviço expresso, ou seja, ônibus que venham a parar em mais pontos demorarão ainda mais para chegar ao seu destino.
Segundo a gestão Doria, o corredor exclusivo terá 18 km, 20 paradas, três terminais (ao menos dois deles existentes) e uma frota de 82 ônibus elétricos articulados com ar-condicionado. Pouco provável que se tratem de trólebus já que o custo de implantação seria mais alto, portanto é esperado que sejam modelos com baterias.

Nem tão capaz, nem tão barato
As diferenças entre os pretextos levantados pela gestão Doria e a realidade do projeto do corredor não se resumem ao maior tempo de viagem. No final de abril, o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, um dos maiores defensores do projeto, divulgou cifras maiores para tirar o BRT do papel, de “mais de R$ 1 bilhão” e que os ônibus transportariam diariamente 115 mil pessoas.
A despeito desse valor ser bancado exclusivamente pela Metra, trata-se de mais um argumento falso usado para justificar o cancelamento da linha de metrô já que na época estimava-se um custo de apenas de cerca de R$ 680 milhões.
Outra falácia dita em julho de 2019 era de que “O BRT pode ser implantado em 18 meses, a partir do início de sua construção, e tem capacidade para transportar até 340 mil passageiros por dia”, segundo comunicado do governo à época. Ou seja, somente 115 mil usuários equivalem a um terço da promessa de Doria.
Talvez esteja aí a única informação confiável sobre o BRT, o fato de transportar menos pessoas. Com mais tempo de viagem, num veículo menos confortável e seguro e não conectado à rede sobre trilhos, o corredor de Doria naturalmente deve atrair menos passageiros.
O monotrilho, ao contrário, teve sua capacidade estimada em 340 mil obtida por estudos oficiais e públicos, algo que nesses quase dois anos a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, comandada por Alexandre Baldy, não ousou apresentar, apesar das seguidas promessas.
Sobre o prazo de implantação exíguo, mais perguntas do que respostas. Segundo Morando, o BRT ficará pronto em dezembro de 2022 (quando se encerra o atual mandato de Doria), com as obras “começando nas próximas semanas”.
Resta entender (se é que existe alguma explicação plausível) como um projeto que ninguém viu e que terá reflexos por onde passa pode começar a ser implantado de uma hora para outra. Além disso, ser concluído em apenas 18 meses já que a assinatura da extensão do contrato de concessão da Metra foi assinada no final de março, portanto há apenas 40 dias.
Será realmente bastante ilustrativo ver a partir de agora na prática o que governador tucano preparou para a população do ABC Paulista após tirar o metrô dos planos da região.