Monotrilho da Linha 15 esvazia linhas de ônibus da Zona Leste

Mesmo com um serviço ainda precário, ramal do metrô tem atraído passageiros na região, um fenômeno que se repete em outras linhas e que deveria ser comemorado
O monotrilho da Linha 15 e abaixo dele, um ônibus municipal: trem está atraindo demanda, o que é para se comemorar (GESP)

A manchete do jornal Agora, pertencente à Folha de São Paulo, em matéria neste sábado alertou: “Ônibus perdem 4 em cada 10 passageiros com o monotrilho em SP”. A “linha fina”, texto que complementa o título, reforça um pouco mais o viés negativo ao afirmar que a “abertura de novas estações afeta linhas que passam na avenida Anhaia Mello, na zona leste”.

Sim, meus caros, na grande imprensa não se pode abordar um fato pelo seu ângulo positivo mesmo que ele signifique mais qualidade de vida ou menos poluição no ar, como é o caso da natural atração da Linha 15-Prata em relação aos ônibus que circulam. Pelo contrário, o fato de boa parte dos passageiros ter decidido mudar de modal é visto como um problema, afinal temos ônibus rodando vazios na região.

É verdade que, ao abordar a letargia da prefeitura de São Paulo em remanejar linhas que perderam demanda e o fato de que na capital paulista as viações ganham transportando ou não passageiros sejam problemas que deveriam ser resolvidos, mas isso é um efeito colateral de uma melhoria na mobilidade. Mesmo ainda distante de ter um serviço estável, a Linha 15-Prata já impacta positivamente a vida de milhares de pessoas na Zona Leste, número que vai triplicar nos próximos meses após a abertura das estações Sapopemba, Fazenda da Juta e São Mateus.

Não é vergonha alguma admitir isso, daí o título desse artigo enxergar o “copo meio cheio” em vez de “meio vazio”. Sim, o fato em si é o monotrilho ganhar passageiros dessas linhas e não estas perderem usuários, afinal de contas a capital paulista mantém uma rede de transporte por ônibus que faz o papel do trem justamente pela ausência de uma rede sobre trilhos à sua altura. A situação só não é mais contrastante porque ônibus e trens são tratados como rivais e não como complementos de um mesmo sistema.

Se o ônibus assumisse seu papel de alimentador em regiões onde há linhas de metrô e trem não haveria tanta distorção. No entanto, em São Paulo corredores sobrevivem por conta do custo extra para usar ônibus+metrô, por exemplo. Embora a integração tenha algum desconto dependendo de alguns fatores, é um valor que a maior parte dos usuários não pode bancar e acaba seguindo viagem dentro desses veículos mesmo perdendo um tempo precioso de seu dia.

No entanto, quando a linha de ônibus faz praticamente o mesmo percurso do trem a queda de usuários nos últimos anos onde foram abertas novas estações é enorme, como mostrou o jornal ao chegar aos números apresentados no texto. A linha 5110-23, que liga Jardim Planalto até o Mercado Municipal, citada pelo Agora, perdeu metade dos usuários entre 2019 e 2018. Quando olhamos para o movimento no final de novembro, esse número é até superior: queda de 60% na demanda.

Linha 5 do Metrô: ir do Largo 13 até Santa Cruz em metade do tempo já fez linha de ônibus perder 70% do seu movimento

Um dia a mais por mês de tempo livre

O fenômeno não é isolado. No eixo onde hoje circula a Linha 5-Lilás que, desde o final de 2018, está conectada às linhas 1-Azul e 2-Verde, há linhas de ônibus ainda mais afetadas como é o caso da 675L-10, que sai do Terminal Santo Amaro e faz ponto final no terminal Santa Cruz. Se em novembro de 2017, essa linha de ônibus transportou 16,9 mil pessoas na última sexta-feira do mês, um ano depois esse volume havia caído para 6 mil usuários e no mesmo período do ano passado, para somente 4,8 mil passageiros, uma queda de 71% em dois anos.

Até mesmo na Linha 4-Amarela, que ainda não atende regiões mais periféricas, o impacto da chegada do ramal até a estação São Paulo-Morumbi já refletiu em queda em linhas de ônibus importantes do corredor da avenida Francisco Morato. É o caso das linhas 8700 que vão de Campo Limpo ao centro da capital paulista. Em 2017, em um dia de novembro, elas levaram cerca de 42 mil passageiros e dois anos depois esse número havia se reduzido para 34 mil usuários, uma queda de 18%, aproximadamente. Quando a estação Vila Sônia for inaugurada, entre o final deste ano e início de 2021, essa demanda certamente sofrerá outro impacto.

A explicação é óbvia: metrô e trens têm em geral um serviço muito superior, seja em acessibilidade, segurança, limpeza e, sobretudo, velocidade. Quem embarca na estação São Paulo-Morumbi e segue até República ganha 26 minutos em relação ao corredor de ônibus, segundo informações do Google Maps. Já quem decide embarcar na estação Largo 13 da Linha 5 com destino à Santa Cruz economiza em média 28 minutos comparado ao ônibus, ou seja, faz o mesmo trajeto em metade do tempo. Dependendo do local de embarque, um passageiro que antes levava 90 minutos entre a região de São Mateus e o centro hoje pode gastar menos de uma hora.

Em uma conta simples, uma pessoa que economize uma hora diariamente para ir e voltar do trabalho terá conseguido acumular quase um dia inteiro por mês. É uma conta que mostra claramente como o transporte sobre trilhos é imprescindível para São Paulo, mesmo que o custo de implantá-lo seja alto em números absolutos. Os benefícios, no entanto, são enormes e mais duradouros, como muita gente está começando a descobrir, felizmente.

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19 comments
  1. Pra jornais como a Folha, não importa o que foi feito, mas sim por quem foi feito. Se fosse algum governador de esquerda, a manchete seria bem diferente.

    1. Que conversa fiada…..
      A verdade tem que ser dita e ponto….PSDB é incompetente, leva 20 anos para concluir uma linha, enquanto que em Salvador, governado pela esquerda, construiram e entregaram a linha 2 deles em menos de 5 anos. Qdo era PSDB, a linha 1 que começou em 1999, ficou mais de 10 anos largada.

      E a linha 9 da CPTM está a anos com sua expansão andando a passos de tartaruga manca com muletas.

      Politicos não são para serem idolatrados, mas sim COBRADOS!

      ou vc acha que os jornais não meteram a bronca em cima do ex- prefeito Haddad por causa dos corredores e das ciclofaixas mal feitas??

      Memória curta é dose.

      1. E quem aqui tá idolatrando político meu caro? Acho que você nem sabe o que tá sendo discutido. O Jornal não questionou sobre atrasos nas linhas e outras coisas. E nisso o governo teria que ser cobrado mesmo.
        A matéria é pontual quando diz que o monorilho “AFETOU” as linhas de ônibus. Qual a solução então? Ter menos linhas de metrô para que os ônibus não sejam afetados?

        Presta atenção na sua crítica.

        1. Alberto Goldman já declarou voto a Haddad na última eleição presidencial, Aécio Neves já disse em entrevista “Para a direita não adianta me empurrar que eu não vou”, FHC privatizou empresas mas criou agências reguladoras durante o seu mandato como presidente (sem contar que é um grande amigo do Lula, e quase fundaram um partido juntos), Lula comemorou na eleição presidencial de 2010 por não ter candidatos de direita…

          Existem muitas evidências de que o PSDB sempre foi puxado pra esquerda, não coloquei todas pois senão não ia caber no comentário kkkkk. E também, na realidade o PSDB e o PT sempre andaram de mãos dadas, nunca foram oposição um do outro

      2. O Metrô de Salvador era pra ter saído em meados dos anos 90, o atraso foi bem maior do que no metrô de SP

        E a frota de ônibus de Salvador também, só foi atualizada totalmente nos últimos meses. Até 2010 tinha vários ônibus antigos rodando

        Então, a sua comparação é fajuta pois o metrô de SSA levou séculos pra entrar em operação e ainda não tem previsão nenhuma de chegar a antiga cidade em que eu morei boa parte da minha vida (Lauro de Freitas)

        Não queira passar pano sem antes conhecer a história do metrô da minha cidade natal, sendo que esses governos de esquerda na Bahia nunca investiram pra valer, só incentivaram a usar Bolsa Esmola (e é também capital mais afetada pelo desemprego). A esquerda ganha votos na Bahia pois tem quem ainda seja vítima do coronelismo dos governantes, prefeitos, vereadores, deputados…

    2. Concordo kkkkk

      Essa Folha de SP é cheia de viés ideológico, dá nojo de encontrar tanta desinformações em sua matérias

      100% de politicagem aquele site

  2. e qdo entrega, entrega a conta gotas e muitas vezes, mal feita ou a toque de caixa, caso da linha 4 amarela.

  3. Isso sem contar o pessoal que deixou de usar carro.

    Eu mesmo não usava transporte público até recentemente porque eu tinha que pegar 2 ônibus para o trabalho e de carro eu chegava meia hora mais cedo.

    Mesmo de carro, eu podia levar até 1h30 para chegar no trabalho. Agora com metrô a 700m de casa, levo 25min.

    Daqui a pouco vão fazer uma manchete: “Carros ficam largados na garagem por causa das novas estações de metro.”

  4. Ricardo,
    Parabéns pela matéria. Explicita bem como as coisas funcionam na máquina da Prefeitura de São Paulo. Falta de planejamento, feudos administrativos comandados por grupos ou políticos, sistema de ônibus que recebe com ou sem passageiros transportados (zero gestão).
    Celebro com você a redução do uso dos ônibus, a redução dos ruídos e da poluição atmosférica que eles deixam no caminho. Transporte sobre trilhos pode ser disruptivo e transformador.
    Saudações

  5. mais um texto muito bom e que vai na raiz.

    e vou mais alem, há um cartel criminoso formado pelos empresarios de onibus, e quando digo criminoso é de bala mesmo.

    já passou da hora de reduzir linha de onibus, tirar essa coisa de onibus municipal X onibus intermunicipal e ser tudo uma coisa só, com integraçao gratuita com a rede de trilhos. só de subsidio com o sistema de onibus sao 2 bilhoes por ano, daria para construir varios km de metrô/trem com esse dinheiro

    1. Concordo com você é uma vergonha o que a prefeitura faz com esses donos de empresa de ônibus uma verdadeira mãe para esses caras.

    1. Edson, o texto em si é coerente, embora focado no “problema” ônibus vazio que é uma consequência natural da implementação de um modal mais eficiente. Já a manchete preferiu enxergar o assunto pelo efeito e não pela causa. É isso que discordo. E não acho que é picuinha da Folha com o Metrô ou o governo, mas sim um título feito para gerar cliques. Isso tem sido corriqueiro na grande imprensa que não pode elogiar, só criticar. Basta ver a TV Globo que nunca cita o nome de uma empresa se o tema é positivo, mas se ela fez algo ruim não há problema algum em falar textualmente. Abraços.

  6. F… os ônibus …. A muita já deveria ter uma grande malha de metrô nessa maldita cidade …. Mas grandes políticos corruptos os cidadãos escravos continuam andando igual boi nessas carroças do inferno que são estes ônibus Aki em ato André é o mais absurdo 4,75 em ônibus sucateados além de demora imensa num serviço péssimo … Onde tiraram os cobradores e mais de 3 anos e até hj nos ainda aceita dinheiro e o motorista e que fica com essa função .

  7. Ótima notícia, se as empresas se ônibus querem os passageiros de volta, é simples! Que ofereçam veículos sem superlotação, com ar condicionado, conexão de internet, poltronas confortáveis, limpeza e pontualidade nos horários.

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