Entenda a real situação da Linha 20-Rosa de metrô

Ainda levará muitos anos até o ABC ver um tatuzão em operação (GESP)

Não demorou muito para que a máscara usada na “peça de teatro” batizada de “soluções de mobilidade urbana para o ABC Paulista” caísse. Em um intervalo de apenas uma semana, o discurso do governador João Doria, que fez uso da Linha 20-Rosa como cortina de fumaça para minimizar as críticas ao cancelamento de outra linha de metrô, a 18-Bronze, começou a perder força quando o vice-governador Rodrigo Garcia admitiu que o primeiro ato prático para tirar o novo ramal do papel só ocorrerá no ano que vem. E ele é apenas a ponta do iceberg em um processo que levará muitos anos antes que o primeiro trem possa chegar ao ABC.

Segundo Garcia, o projeto funcional da Linha 20 será incluído no orçamento do governo para 2020, ou seja, apenas no ano que vem será contratada a empresa que fará a primeira de três fases que delinearão a futura linha. Investimento? Apenas R$ 20 milhões…

É essa realidade que o blog tem buscado mostrar e que geralmente é ignorada pela grande imprensa, acomodada em apenas noticiar o que muitas vezes não compreende. É uma situação cômoda para governantes cujo objetivo não está em resolver problemas da população com soluções definitivas e de longo prazo. Elas dão trabalho e nem sempre rendem votos. Por isso, o teatro do dia 3 de julho poderá cair no esquecimento quando começar a ficar claro o tamanho da perda para o ABC Paulista com o fim de um projeto encaminhado há tanto tempo.

É uma pena que a Linha 20-Rosa esteja sendo usada como artíficio eleitoral. Trata-se de um dos mais importantes projetos do Metrô de São Paulo ao levar os trens para regiões de alta concentração de empregos e que terá a capacidade de redistribuir o fluxo de passageiros e, de quebra, melhorar o trânsito da região metropolitana ao ser capaz de tirar veículos das ruas. Se ela existisse hoje, basta dizer que usuários que acessam a capital de munícipios ao norte deixariam de seguir até o centro para ir até a Zona Sul. Da mesma forma, a lotada Linha 9 da CPTM seria aliviada assim como a Linha 4 e mesmo a Linha 2. Por fim, ao sair de São Bernardo, o ramal reduziria o trânsito em direção à capital e também a longa viagem de ônibus até o Jabaquara, entre outros roteiros beneficiados.

O percurso estimado da Linha 20-Rosa

Implantação crítica

Não é à toa que sua demanda é estimada em mais de 800 mil passageiros por dia. Mas sua implantação é bastante crítica. No trecho que vai da região do Rudge Ramos até Moema, a topografia é variada, o que implica em muitas estações profundas, a não ser que o Metrô decida construir trechos elevados em alguns pontos, como fez com a Linha 2. Assim como a finada Linha 18, as desapropriações do trecho de quase 13 km serão numerosas.

Só com esses dois aspectos, sua construção já demonstra ser complexa. Desapropriar áreas onde há provavelmente moradias de baixa renda exigem medidas sociais além de negociações na Justiça para liberar terrenos que possam servir para um possível emboque das tuneladoras, o populares “tatuzões”.

Por se tratar de um estudo ainda muito superficial, ao contrário da Linha 19, que já conta projeto funcional, a Linha 20 não tem ainda (até onde se sabe) uma área para o pátio de manutenção, geralmente um terreno bastante grande para comportar dezenas de trens. É comum que essas instalações fiquem localizadas em regiões onde existe mais disponibilidade de grandes terrenos a fim de facilitar sua construção. Pode-se afirmar com certa segurança que o futuro pátio tem duas possibilidades: a região da Lapa, aproveitando alguma área próxima às linhas da CPTM, ou São Bernardo, próximo ao bairro do Taboão.

Se o trecho do ABC já é complicado o que dizer do trajeto entre Moema e Lapa? Pensado como a primeira fase original da linha, o percurso atravessa regiões cujos terrenos são caros e com construções de área elevada. Ou seja, não há como desapropriar certas áreas sobretudo no eixo da avenida Faria Lima ou no bairro de Moema. A solução talvez seja repetir a solução usada pelo Metrô na Linha 2 quando a construiu sob a avenida Paulista. Ou seja, pequenos acessos para que a escavação seja feita sem grandes intervenções na superfície. Mas é um método demorado e caro.

Após a Faria Lima a situação não fica melhor. Será preciso passar por bairros nobres cujo metro quadrado é caro e de quebra vencer aclives e declives até chegar à região da Lapa.

Linha 20 será um metrô subterrâneo, de implantação demorada (GESP)

Como atrair a iniciativa privada?

Todos esses detalhes descritos serão abordados pelo projeto funcional a partir de 2020. Com ele, o Metrô definirá áreas onde serão feitas estações, poços de ventilação, o pátio, método de escavação, estimativa de quantidade de trens e outros detalhes. Com ele em mãos parte-se para o projeto básico, quando então se aprofundam os estudos feitos pelo funcional. Nessa fase é possível demarcar terrenos que serão desapropriados e estimar um custo para a obra, mas esse aspecto só é claro com o projeto executivo, que detalha todas as fase da obra.

O projeto básico é talvez o ponto mais delicado de um empreendimento como esse. Se bem feito, com estudos de solo adequados e de posse de material que esclareça o que existe no subsolo por onde a linha passará, é possível ter uma ideia próxima da realidade sobre como será sua implantação. Mas um trabalho feito às pressas pode trazer graves problemas depois. É o que geralmente tem acontecido em diversos projetos públicos e que dão margem a aditivos no contrato ou mesmo abandonos por construtoras. Isso sem falar em atrasos.

A Linha 5, por exemplo, teve que parar muitos trechos das obras por culpa de imprevistos como a descoberta de trilhos de bonde na estação Adolfo Pinheiro ou tubulações de gás que passavam no caminho dos túneis na altura da estação Campo Belo. Tudo isso não estava previsto nos projetos. Nesse caso, trata-se de uma extensão de 10 km e que levou quase uma década para ficar pronta.

No caso da Linha 20, estamos falando de 24,5 km que certamente não serão construídos ao mesmo tempo. No plano original do Metrô, haveria duas fases e o ABC ficaria com a segunda, agora Doria acena com uma suposta prioridade para a região. Se o pátio realmente ficar em São Bernardo a mudança se justifica, afinal não há linha sem ele. Mas para ter utilidade a Linha 20 teria de chegar ao menos até Moema na primeira fase, assim haveria conexões com a Linha 1 em São Judas e a Linha 5 justamente na estação Moema.

Avenida Faria Lima, em São Paulo: área crítica para desapropriações (The Photographer)

Mesmo que esse trecho de 13 km seja licitado primeiro resta saber como atrair a iniciativa privada. O governo do estado trabalha hoje com um custo por km de metrô da ordem de R$ 820 milhões. Ou seja, estamos falando de pelo menos R$ 10 bilhões, mas a realidade é mais dura que isso. A Linha 5 custou esse valor para um percurso menor. Quando for licitada, a Linha Rosa certamente sofrerá o impacto do aumento dos custos de construção.

Na hipótese de conseguir um grupo interessado em construí-la e operá-la, já que Doria tem afirmado que contará a com a iniciativa privada nesses projetos, será preciso bancar ao menos R$ 5 bilhões, além das desapropriações que devem acrescentar R$ 1 bilhão à conta, caso o governo opte por uma Parceria Público-Privada.

Já se preferir seguir uma solução mista em que contrata a construção por lotes e deixa para a iniciativa privada o investimento em sistemas, trens e operação, os cofres públicos teriam que arcar com a maior parte dos gastos.

A demagogia do prefeito de São Bernardo: anunciar um metrô que só deve chegar após 2030 (Reprodução)

Demanda mais baixa

Uma parceira privada que construa e opere terá como contrapartida pelo investimento um pagamento de uma remuneração por passageiro transportado além de uma contraprestação, espécie de aluguel fixo pago pelo governo para complementar a receita variável com a demanda. Aliás, demanda essa que deverá ser de 260 mil passageiros por dia até Moema. Sim, o maior potencial da Linha 20 está no segundo trecho, aquele que passa pelas regiões onde estão os empregos.

Já uma concessão de operação receberá apenas pelo transporte e exploraçao comercial, tendo ainda que pagar uma outorga (espécie de luvas) para o governo para assumir a linha.

Em ambos os cenários, pesará o fato de o governo do estado colecionar duas PPPs de metrô fracassadas. A Linha 6-Laranja, cujo leilão teve apenas um interessado que naufragou em meio à Lava Jato, a Linha 18-Bronze, considerada pela atual gestão inviável, mesmo custando para os cofres públicos R$ 2,8 bilhões por 15 km de linha e capacidade para 340 mil passageiros pelos estudos oficiais – o suposto estudo que foi usado como argumento neste ano para desqualificá-la nunca foi visto.

A grande pergunta é como convencer empresas a assinarem um contrato cuja execução é incerta diante das mudanças de cada gestão. E aí entra outro componente, a estimativa mais realista da Linha 20.

Horizonte distante

Como já dissemos várias vezes no site, obras de metrô e trens são “vacinadas” contra calendários eleitorais. Não há como pular fases ou varrer a sujeira para baixo do tapete sem que isso não reflita em problemas bastante ruidosos. Veja o que ocorreu com duas obras apressadas do ex-governador Geraldo Alckmin. A Linha 13-Jade foi aberta com trens andando em modo manual e até hoje pratica intervalos altos de 20 minutos para cima, totalmente incoerentes com o investimento em tecnologia. A razão? O sistema de sinalização não está pronto e faltam trens. Já as quatro estações da Linha 15 que foram abertas no último dia da sua gestão até hoje tem problemas de acabamento, sem falar que o funcionamento custa a entrar nos eixos.

Em outras palavras, a Linha 20 é uma obra para futuros(as) governadores(as), gente que talvez nem saiba ainda que irá concorrer às eleições. Uma conta simples demonstra isso. Pegue-se o tal projeto funcional que será licitado no ano que vem e que não deve ficar pronto de uma hora para a outra. Digamos que o governo resolva lançar o projeto básico logo em seguida e teremos condições de licitar a obra em 2021. Processos como esses, no entanto, exigem algumas etapas como audiências públicas quando são discutidas com a sociedade seu impacto nas regiões afetadas.

Numa hipótese otimista, Doria consiga licitar o projeto e assinar um contrato em 2022, o que teremos então? As temidas despapropriações. Basta ver as dificuldades que o governo teve para conseguir a posse dos terrenos da Linha 6 para imaginar que os trabalhos de fato comecem em 2023. Não se conhece obra de metrô subterrâneo que tenha sido feita em menos de cinco ou seis anos, exceto na China. De quebra, será preciso testar a linha antes de abri-la para operação reduzida. Ou seja, com muito esforço e ingenuidade pode-se pensar em uma inauguração até 2030.

O mais provável é que o ABC vá contar com o metrô apenas em 2032 ou 2033, isso se não surgir nenhum imprevisto para atrasar esse cronograma ainda mais. E algo que é corriqueiro, em se tratando de Brasil. É com essa perspectiva que a perda da Linha 18-Bronze tem de ser lamentada profundamente. Não se trata de defender um modal como monotrilho ou um contrato assinado há cinco anos, mas sim de terminar algo começado e que requalificaria o ABC Paulista. E cuja inauguração poderia de fato ocorrer até 2023, uma década antes de a Linha 20-Rosa resolver aparecer na região e quando o atual governador já terá deixado o cargo há bastante tempo.

As estações da Linha 20 no trecho Lapa-Moema

 

 

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