Entenda os bastidores da transferência da Linha 6-Laranja entre Move São Paulo e Acciona

Tuneladora da Linha 6: nova concessionária terá um prazo maior (GESP)

Os meses de indefinição por que passou a operação de salvamento do projeto de Parceria Pública-Privada da Linha 6-Laranja do Metrô mostraram o quão complexa foi a tarefa de evitar o ramal de 15,3 km se tornasse uma dor de cabeça ainda maior. Idas e vindas entre interessados, prazos postergados seguidamente, boatos e incertezas permearem esse período até que no começo da semana surgissem as primeiras informações confirmando que a nova concessionária Linha Universidade Participações deverá assumir a concessão a partir de outubro.

Os meandros dessas negociações ainda não estão muito claros, mas o site se debruçou sobre documentos do governo nesta semana e que trazem um pouco de luz ao assunto. Eles fazem um resumo desses quase quatro anos desde que a Move São Paulo, a concessionária original da Linha 6, decidiu suspender as obras após ver seus sócios atingidos pela operação Lava Jato. Veja a seguir os principais fatos e informações dessa que, como repete o governo Doria, “é a maior obra de infraestrutura do Brasil”.

O contrato original

A concessão da Linha 6-Prata foi assinada pelo governo Alckmin e os sócios da Move São Paulo em 18 de dezembro de 2013 e previa um período total de vigência de 25 anos, sendo seis para construção e 19 anos para operação, quando a sócia privada passaria a ter uma receita de fato. Por isso, o risco de um atraso na construção era apenas da Move em tese. Se entregasse antes, porém, ela sairia no lucro por ter direito a um bônus do governo.

O período de paz e o início dos problemas

A vigência de fato da concessão foi celebrada no dia 19 de maio de 2014 e o contrato foi executado dentro do esperado até 13 de maio de 2016. Foi quando a Move SP solicitou prorrogação nos prazos por não ter obtido um financiamento de longo prazo com o BNDES – que já restringia empréstimos por conta dos problemas das sócias Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC. Dias antes de a concessionária suspender as obras, o governo do estado a questionou  a respeito da redução de quase 50% na mão de obra utilizada e aumento no custo de construção do empreendimento. A Move então suspendeu os trabalhos no dia 2 de setembro e culpou o governo pelo atraso motivado pela demora na liberação das áreas desapropriadas. Preço da fatura? R$ 1,7 bilhão de reequilíbrio financeiro.

BNDES justifica ter negado financiamento

Segundo documento do banco de fomento, a Move não obteve recursos por conta do “risco reputacional” de seus controladores e a dúvida que essas empresas teriam saúde financeira para arcar com o pagamento desse valor. Houve ainda a sugestão de a Mitsui, sócia minoritária da concessionária, ampliar sua participação e que fosse buscado um novo investidor, mas a proposta não foi levada adiante. As condições do BNDES também impediram qualquer chance de aprovar o empréstimo já que a Move deveria ser controlada por empresas sem envolvimento na operação e as garantias deveriam ser totalmente ligadas a sócios que não estivessem sendo investigados.

VSE Tietê (Divulgação)

Desapropriações vs. Lava Jato

Foi durante esse período que começaram as desavenças que culminaram com ações da Move na Justiça e com a aplicação de multas e sanções por parte do governo do estado. A concessionária tentou associar o fato de perder o financiamento de longo prazo (e juros baixos) porque a liberação das áreas atrasou enquanto o a gestão Alckmin culpava a situação precária das sócias já que o BNDES havia aprovado outros financiamentos para projetos ferroviários na mesma época.

Caducidade e nova chance

Após algumas tentativas frustradas de vender a concessão para outros grupos, incluindo um de origem chinesa, a Move São Paulo acabou sendo notificada da caducidade do contrato no final de 2018. Com início de vigência em agosto de 2019, o decreto do governo de Márcio França ficaria a cargo do próximo governador, seu adversário, João Doria, que venceu as eleições no final daquele ano.

Após estudar várias saídas como até mesmo a desapropriação da concessão, o tucano preferiu dar uma nova chance para a Move São Paulo encontrar um interessado no negócio. Em agosto, perto do final do prazo de caducidade, o governo Doria anunciou sua prorrogação para novembro e confirmou que havia grupos interessados no projeto. Soube-se mais tarde que se tratavam dos chineses da CR20, dos espanhois da Acciona e um obscuro grupo com sede num paraíso fiscal nos EUA, o K2.

Projeção da futura estação PUC-Cardoso de Almeida, da Linha 6-Laranja (BVY)

Proposta sem comprovação financeira

Embora tenha sido ventilado na época que os chineses chegaram a fazer uma proposta para os sócios da Move SP foi o grupo K2 quem de fato teve uma proposta vinculante aceita pela concessionária. As suspeitas sobre a empresa, no entanto, eram grandes já que sua estrutura acionária era desconhecida. No fim, eles não conseguiram demonstrar ter capacidade financeira para assumir a concessão e foram descartados.

Acciona entra no jogo

Logo após circularem as informações de que os chineses haviam desistido de um acordo, a Move apresento ao governo um pré-acordo com a construtora Acciona. Como as tratativas ainda não estavam fechadas entre as duas empresas, a Move pediu ao governo que postergasse a caducidade mais uma vez, então prevista para vigorar em 11 de novembro. Cinco dias antes de a caducidade vencer novamente, a Move e a Acciona assinaram um contrato de cessão da concessão para a SPE (Sociedade de Propósito Específico) Linha Universidade Participações S.A, formada pela Acciona espanhola e sua subsidiária no Brasil.

A pandemia do coronavírus atrasa o processo

Embora parecesse certa e resolvida, como frisou na época o secretário dos Transportes Metropolitanos, a transferência da concessão ainda acabou sendo atingida pela pandemia do coronavírus. A nova concessionária pediu mais uma prorrogação em março em virtude de que muitas atividades empresariais estarem suspensas pelo surto. À essa altura, o governo e outros órgãos de controle como a Procuradoria Geral do Estado, já haviam concordado que seria necessário aprovar novos aditivos ao contrato para regular as condições da concessão.

Projeção de como ficará a futura estação 14 Bis da Linha 6 Laranja
Projeção de como ficaria a futura estação 14 Bis da Linha 6 Laranja

Manutenção do contrato original

A constatação mais importante diz respeito à manutenção do contrato de concessão de 2013. Na visão dos envolvidos, o trâmite para produzir um novo contrato com a Linha Universidade traria riscos e atrasos ao projeto. Já que o principal obstáculo à continuidade da concessão envolvia a permanência dos antigos sócios, essa situação seria resolvida com a entrada da Acciona.

Atrasos nas desapropriações e mudanças no projeto da estação 14 Bis

Chegou-se também à conclusão que o atraso na liberação dos terrenos afetou os planos da concessionária de cumprir a primeira fase do projeto (construção). Além disso, mudanças no projeto da estação 14 Bis por conta de uma polêmica a respeito da escola de samba Vai-Vai também contribuíram para afetar o cronograma. Por outro lado, a suspensão das obras nesse período foi colocado na conta também como uma quebra de contrato por parte da Move.

Abandono dos processos e pagamento de multa

Para viabilizar a entrada da nova concessionária na Linha 6, a Move São Paulo terá de abandonar desavenças passadas  com o fim dos processos na Justiça da parceira privada, cobrando reequilíbrios financeiros. Por outro lado, a concessionária deverá pagar as multas aplicadas pelo governo em valores acima de R$ 50 milhões. A ideia é que a concessão seja retomada sem arestas e que nenhuma das partes tenha direito de cobrar por situações anteriores a fim de dar um estofo jurídico adequado para o prosseguimento do projeto.

Canteiro da Linha 6: Move SP deve pagar multas por ter suspendido as obras (GESP)

Prazo da concessão maior

Um dos pontos mais delicados da negociação foi o de mensurar qual seria o novo prazo de vigência da concessão já que a Move suspendeu as obras por quase quatro anos. Na visão da PGE, a concessão deveria ter assegurado um prazo total de 24 anos a fim de assegurar sua viabilidade econômico-financeira que considerou que a nova concessionária deveria ter a concessão ampliada em 22,2 meses como uma forma de reequilibrar o contrato. No extrato dos dois aditivos celebrados entre as partes, no entanto, a concessão passou a ter um prazo de 28 anos, seis meses e dois dias.

Caminho mais em conta para o governo

Segundo a Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões (CMCP), a mantenção do contrato atual geraria uma economia de até R$ 2,9 bilhões no projeto da Linha 6 se comparada a outras alternativas que envolvem o encerramento da atual concessão.

Adequação da Linha Universidade às condições anteriores à suspensão

Por fim, o governo teria acertado com a nova SPE que ela se adequará às condições em que se encontrava na época em que suspendeu as obras. Entre elas está o aporte de recursos para que o capital social da nova concessionária seja condizente com o que se exige no contrato.

Faz-se crer que os termos acertados pelo governo e outras instâncias envolvidas no projeto com os dois grupos empresariais envolverão apenas questões burocráticas e legais que devem ser resolvidas em até 90 dias. Há, no entanto, muitos outros assuntos cujos quais ainda são mantidos em sigilo e que, espera-se, venham a ser compartilhados pelo poder público a fim de esclarecer as reais condições dessa obra tão vital para a mobilidade em São Paulo. É torcer para que desta vez a Linha 6-Laranja se torne realidade finalmente.

 

 

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