Faltam apenas 10 dias para que o governador João Doria divulgue a solução para o impasse da Linha 18-Bronze de metrô, como prometido. Desde que tomou posse em janeiro, Doria mudou seu discurso a respeito do monotrilho do ABC Paulista. Se durante a campanha eleitoral jurou que ele sairia do papel finalmente após quatro anos à espera de recursos, logo que chegou ao cargo começou a criar pretextos para descartá-lo.
A primeira medida foi encomendar um “estudo” de viabilidade do projeto, que foi considerado muito caro, sobretudo nas desapropriações, agora estimadas pelo governo em R$ 600 milhões. Foi então que o que parecia absurdo passou a ser tratado como uma alternativa, a substituição da linha de metrô por um BRT, um corredor de ônibus que se inspira em soluções metroferroviárias para levar mais gente, a despeito da sua implantação desastrosa. Desde então nas vezes em que se pronunciaram sobre o assunto, Doria e sua equipe têm dito nas entrelinhas que o monotrilho está condenado a morrer, mesmo que isso signifique um prejuízo de milhões de reais.
Segundo relatos da concessionária VEM ABC, que venceu a PPP em 2014 ainda no governo de Geraldo Alckmin, até hoje a atual gestão não buscou discutir com ela uma solução sobre o impasse, uma evidência de que a Linha 18 está condenada e que foi reforçada nesta semana pelo vice-governador Rodrigo Garcia em evento na região. “Temos um contrato assinado do monotrilho, que economicamente é impossível com os valores que hoje estão colocados”, afirmou. “O fundamental é que nós vamos apresentar uma solução rapidamente, concreta e de curto prazo para a mobilidade do ABC“, mais uma vez repetindo um mantra que se encaixa como uma luva na opção pelo BRT.
Se de fato isso ocorrer, como indicam os movimentos até aqui, se tratará de um “golpe” na mobilidade do ABC Paulista. Há anos a região espera pelo metrô e pode ser obrigada a engolir mais um corredor de ônibus paliativo e toda implicação negativa que ele traz consigo.

BRT por metrô em Bogotá
Embora tenha surgido um movimento de cobrança entre políticos dos munícipios envolvidos e também a mobilização de moradores e do jornal local Diário do Grande ABC que defendem a permanência da linha de monotrilho, o governador parece insensível até aqui a esses apelos. Afirma que a decisão será técnica, mas ignora aspectos fundamentais como os estudos aprofundados realizados pelo Metrô e que embasaram o projeto da Linha 18-Bronze, mas que agora perderam importância.
Pior do que isso é não levar em conta os impactos diferentes de uma linha de metrô e de um corredor de ônibus. Como comprovado, estações de trens têm a capacidade de promover o adensamento populacional e a valorização do entorno. Basta apenas que o serviço seja de qualidade, algo que já é notado até mesmo nas sempre criticadas linhas da CPTM. Desde que a companhia de trens metropolitanos passou a modernizar suas composições e parte das estações, a demanda de passageiros só aumentou.
O argumento a favor do BRT só perde força à medida que alguns defensores buscam colocá-lo no mesmo patamar de uma linha férrea. Foi o que fez Flaminio Fichmann, urbanista que foi ouvido pela Frente Parlamentar de vereadores criada para discutir o assunto.
Em entrevista ao Diário do Transporte, Fichmann inflou virtudes do ônibus e ignorou o que não é conveniente ao BRT. Começou por dizer que o corredor de ônibus tem mais capacidade de transporte que as linhas 1-Azul e 3-Vermelha do Metrô e disse desconhecer um monotrilho capaz de transportar muitos passageiros, como se os sistemas chineses não existissem.
O consultor se esforçou em diferenciar o BRT de um corredor de ônibus como se nada tivessem em comum. Para ele as “estações” do BRT não são pontos de ônibus e o fato de existirem pistas de ultrapassagem igualam o sistema à velocidade e capacidade de uma linha de metrô. Além disso, afirmou que o custo de implantação do BRT varia de 5% a 10% de uma linha metroviária, mas reconhece que seria preciso construir passagens de nível para que o sistema tenha eficiência.
E, como todo defensor do BRT, citou o Transmilênio colombiano como exemplo. O especialista, no entanto, não explicou a que custo o corredor de Bogotá consegue levar tanta gente, em um desastre urbanístico que, quem diria, está sendo revisto pelas autoridades do país. Em vez de BRT, Bogotá lançará a licitação de sua primeira linha de metrô nas próximas semanas e que será, vejam só, elevada.

Frankenstein
O fato que tem sido convenientemente escondido da opinião pública é que o BRT seria uma espécide de modal “Frankenstein”. Sem um projeto aprofundado sobre ele, tem sido oportuno ressaltar alguns pontos positivos isolados que em conjunto o transformam em um êngodo. Um exemplo é sua capacidade, que exigirá um corredor largo para criar os serviços expressos e consequentemente terá de roubar faixas de veículos, promover desapropriações ou cobrir o Córrego dos Meninos, por exemplo.
Sobre as constantes inundações, a solução é simples: constroem-se passagens elevadas, novamente ignorando o custo e o impacto em seu entorno. Outra “realidade alternativa”? Em vez de ônibus a diesel, veículos elétricos como se isso fosse uma novidade tecnológica. O Corredor da Metra, inaugurado no final dos anos 80, nasceu com o conceito de uso de trolebus, mas acabou sendo aberto com ônibus movidos por combustível fóssil em sua frota. Nada garante que o novo projeto vá obrigar ao uso apenas de eletricidade.
Existe uma encruzilhada entre construir um corredor na superfície e que causará intervenções pelo seu percurso ou optar por uma via com trechos elevados ou mesmo completamente elevada como o Expresso Tiradentes da SPTrans. Nesse caso, o custo se aproximaria do monotrilho sem, no entanto, se equiparar em tecnologia e segurança. Por mais que os detratores do modal se esforcem em desqualificá-lo, o monotrilho utiliza o mesmo sistema de sinalização de linhas de metrô pesadas e que permitem intervalos mais baixos, operação remota e mais segurança visto que os trens circulam conectados e não guiados por controle total humano.
Além disso, nem sempre economia pura significa a melhor opção. Uma linha de metrô não se mede apenas pelo custo, mas sim pelo benefício que gera uma enorme economia que vai do aumento da produtividade, melhoria da qualidade de vida e até mesmo por reduzir o número de veículos em circulação, facilitando, por exemplo, que o transporte de cargas dentro da área urbana seja mais rápido e barato.
A desculpa sobre uma demanda inferior à projetada também não se justifica. Como qualquer usuário da rede metroferroviária sabe, o movimento nas linhas só cresceu nos últimos anos, acima de qualquer previsão inicial – ou alguém imaginaria na década de 70 que as linhas 1-Azul e 3-Vermelha movimentariam 3 milhões de passageiros por dia 40 anos depois?
Por fim, enquanto o projeto do monotrilho está documentado e detalhado, a proposta do BRT ainda não passa de uma ideia mal explicada. Quando ficar claro do que se tratará esse projeto talvez seja tarde demais para voltar atrás mais uma vez.
Se é esse mesmo o plano de João Doria para o ABC, os 2,7 milhões de habitantes lamentarão por muitos anos uma péssima escolha de transporte público.
