Com prejuízo de quase R$ 1 bilhão, Metrô de São Paulo vê situação financeira se agravar

Resultado do primeiro semestre é 112% pior do que o mesmo período de 2019. Companhia tem reduzido licitações e compras além de buscar receitas emergenciais
Trem da Linha 15: demanda de passageiros teve queda brutal, agravando a situação financeira da empresa (CMSP)

Em tempos normais, o Metrô de São Paulo ocupa um lugar cativo no caderno Empresarial do Diário Oficial do Estado de São Paulo. São licitações de expansão e modernização da malha metroviária, compras de insumos e mesmo a oferta de projetos diversos. Mas nas últimas semanas, as publicações têm sido mais raras, um sinal bastante claro de que empresa está buscando economizar ao máximo diante do agravamento da sua situação financeira.

Embora seja uma empresa que tem dado prejuízo ao estado nos últimos anos, o quadro no primeiro semestre de 2020 é assustador. Até junho, o Metrô acumulou um prejuízo de R$ 903,3 milhões, segundo dados divulgados pela companhia. É nada menos que 112% acima do resultado da primeira metade do ano passado e 41% superior ao prejuízo de 2019 inteiro.

A razão, é claro, envolve a crise desencadeada pela pandemia do coronavírus, que obrigou o poder público a restringir os deslocamentos da população e, consequentemente, reduziu brutalmente a demanda no transporte público. Por isso, o Metrô arrecadou com tarifas no primeiro semestre 47% menos que em 2019. Em abril, o pior mês até aqui, foram apenas R$ 39,7 milhões contra R$ 176,3 milhões no mesmo mês de 2019. Os ressarcimentos com gratuidades também chegaram ao menor patamar: somente R$ 6,2 milhões recebidos ante mais de R$ 47 milhões no ano passado.

Somando esses valores, é possível afirmar que só no transporte de passageiros, o Metrô deixou de arrecadar mais de R$ 700 milhões até aqui e é bastante provável que esse total passe de R$ 1 bilhão até o final do ano já que a retomada da demanda ainda está lenta.

Mesmo um segmento em que o Metrô tem se esforçado para explorar, o de receitas não-tarifárias, a queda foi expressiva, de 29% no período. Se no primeiro semestre do ano passado, a arrecadação foi de R$ 120 milhões, em 2020 esse total mal passou de R$ 85 milhões.

Sucata no Metrô: companhia quer arrecadar R$ 1 milhão com leilão de materiais e equipamentos sem uso (CMSP)

Custos engessados

Se a queda de receita é algo certo diante do esfriamento da economia brasileira, a redução dos custos do Metrô é pouco perceptível. Os custos dos serviços prestados, categoria que reúne o que a empresa gasta para o sistema operar, teve uma redução de apenas 6,9%. Foram consumidos mais de R$ 1,1 bilhão com pessoal, materiais, serviços terceirizados e gastos em geral, ou seja, um rombo de R$ 340 milhões em relação à receita total.

Na parte administrativa, a companhia conseguiu empreender uma redução mais significativa, de quase 20% na comparação entre os semestres, porém, o impacto no total é pequeno. Foram gastos R$ 550 milhões para manter a empresa ativa contra R$ 686 milhões no ano passado.

Em outras palavras, a situação do Metrô (e de outras operadoras) é grave porque o transporte público tem precisado funcionar a despeito da queda da demanda. Com tarifas definidas por critérios sociais e a possibilidade de viagens longas pelo mesmo valor, o sistema acaba trabalhando no limite. O Metrô chega a ter algum superávit mensal em algumas ocasiões, mas que é marginal e acaba não compensando períodos de maiores gastos. Agora imaginem esse quadro durante uma pandemia.

Para a empresa, é difícil encontrar onde cortar. Com quase 9 mil funcionários, o Metrô tem tentado estimular a saída de funcionários com muitos anos de casa por meio de PDVs, mas a adesão não chega a ser significativa. Comparada às operadoras privadas, a companhia tem um quadro mais inchado, mas ao mesmo tempo possui a responsabilidade por outras funções como o planejamento da rede e a supervisão das obras de expansão, para citar dois casos.

A atual gestão do Metrô tem tentado encontrar formas de ampliar as receitas não tarifárias, mas algumas delas ainda são de implantação de longo prazo como os estudos para gerar energia renovável ou a proposta de vender os direitos dos nomes das estações, os chamados “naming rights”. Enquanto isso, a empresa tem divulgado iniciativas positivas, porém, de impacto pequeno nas suas contas como a introdução do home office para cerca de 600 funcionários que deve gerar economia de R$ 9 milhões anuais. Porém, é apenas uma parte ínfima do rombo anual da empresa.

Nesta semana, o Metrô anunciou que fará um leilão de materiais “inservíveis”, vulgo sucata. Há de material ferroviário como trilhos, rodas e motores de tração a veículos antigos como caminhões fabricados em 1986 e 1991. A expectativa é arrecadar cerca de R$ 1 milhão, um pouco mais que o valor obtido no primeiro desses leilões, que chegou a R$ 800 mil. Ou seja, o custo anual aproximado da função de presidente da companhia.

Linha 3-Vermelha do Metrô: no Brasil, operadoras do transporte público tem papel social (GESP)

Função de transporte e não social

Embora a perspectiva seja a de que a demanda no transporte público levará tempo para voltar aos patamares pré-pandemia, quando esse momento chegar a “hemorragia financeira” do Metrô deve estancar, mas o problema não. O enorme rombo que está se formando será pago invariavelmente pelo contribuinte, seja de uma forma ou de outra. Por essa razão, o momento atual é uma grande oportunidade para corrigir erros antigos.

Um deles é o de tratar operadoras de transporte público como entidades de caráter social. Embora a mobilidade precise ser tratada como um serviço acessível como saúde ou educação não são as operadoras que têm de pagar essa conta. É preciso separar as funções para que exista eficiência, ou seja, o Metrô, a CPTM ou uma ViaQuatro devem receber pelo serviço que prestam, cabendo à outras áreas do governo oferecer gratuidades, descontos e fazer a gestão desses benefícios.

Por conta dessa distorção, hoje o Metrô não é dono de grande parte da arrecadação e vive de repasses do bilhete único e do reembolso das gratuidades. Se a meta da empresa é ser sustentável financeiramente ela não pode carregar o peso do papel social. O resultado disso é que o prejuízo passa a ser tratado como algo normal e esperado quando não deveria ser nunca.

 

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23 comments
  1. faltou citar a câmara de compensação, onde a CCR tem prioridade no recebimento e também recebem um valor contratual minimo garantido. não por coincidência, o METRO vem acumulando prejuízos nos últimos anos, como citado.

    1. Ninguém liga para a câmara de compensação, nem mesmo quem se diz contra ela (como alguns políticos). E ela nem é tão relevante assim para a situação do Metrô (que precisa passar por uma reforma administrativa urgente, pois sua gestão parou no tempo).

      Acabar com a câmara, simplesmente, não resolveria o problema e geraria outros.

      Enquanto esse assunto for usado politicamente e ideologicamente, nada vai mudar.

      1. reportagem da revista isto é:

        https://istoe.com.br/sp-repassa-r-135-mi-ao-metro-para-cobrir-divida/

        de certo para postar uma reportagem dessas, a revista isto é só ter jornalistas com grande influencia politica e ideologica, todos comunistas e militantes do PSTU e sindicalistas do METRO. inclui aí tambem o diretor de finanças do METRO da epoca, que falou um afronte desses a respeito do maravilhoso governo do estado e da maravilhosa camara de compensação e sua prioridade a CCR …

        1. Boa tarde, Gabriel.

          Neste caso só entraria as linhas que são administradas pelo Metrô. As empresas ViaQuatro e ViaMobilidade não entra nessa situação.
          As linhas que estão sob a responsabilidade a iniciativa privada recebem um valor fixo determinado em contrato de acordo com cada passageiro dentro do sistema ferroviário, os custos de manutenção e de funcionários da mesma.

          Espero ter esclarecido as suas duvidas.

          1. existe um termo de acordo firmado em 2015 entre GESP e METRÔ que visa ao GESP recompor perda da receita tarifária, decorrente da diferença entre a remuneração contratual paga às concessionárias privadas responsáveis pela operação das linhas 4 e 5, e a venda de direito de viagem do sistema metroferroviário (tarifa pública). esses valores foram aprovados no último ano através da Lei nº 16.923 de 07/01/2019 e pelo Decreto nº 64.726 de 27/12/2019.

            mas falar disso é demonização infantil das operadoras privadas, coitadas.

      1. As operadoras privadas também estão com prejuízo. Isso é público e notório, sendo noticiado na imprensa corroborada pelos balanços das empresas.

        Essa demonização infantil da iniciativa privada não leva a lugar algum.

        1. Afinal, tá sofrendo prejuízo ou não? Uma hora falam que o Estado socorre, outras não, aí fica difícil!

          E a demonização dos órgãos públicos também não seria algo infantil e que não leva a lugar nenhum?

  2. So queria ressaltar que essa discussão não deveria dar margem a “tarifa cobrada por km percorrido” pq dado o caráter social da cidade isso seria extremamente prejudicial para a população mais pobre, que também é que precisa mais do transporte público para acessar os serviços.

    Uma sugestão da minha parte seria a taxação de imóveis próximos ao serviço de transporte, sendo esse dinheiro de posse das operadoras.

    1. Seria melhor tirar o subsídio das passagens e usar o lucro do metrô pra expandir a malha. Ficam com essa dificuldade em achar de onde tirar recursos pra construir mais linhas, sendo que a solução está no próprio serviço. Quanto mais expande a malha, mais pessoas usam o metrô, quanto mais pessoas usando, mais lucro, quanto mais lucro mais expansão, e assim por diante.

  3. O que esperar de uma empresa corrupta, administrada por criminosos de terno e gravata. Não bastou o monopólio dos transportes, agora revela a competição de quem rouba mais.

  4. Não seria interessante, para além de uma reforma administrativa, a fusão das estatais de transporte (Metrô, CPTM, EMTU) em uma única empresa?
    Sou leigo no assunto mas, na minha opinião, isso não daria mais centralidade e efetividade no trato com a mobilidade urbana do estado (bem como projetos de expansão da malha), além de uma estrutura funcional mais enxuta, menos burocrática e deficitária?

    1. a fusão nao alteraria muita coisa e uma possivel economia seria insignificante. vc continuaria tendo uma divisao dentro dessa empresa unificada cuidando dos onibus (EMTU), da ferrovia (CPTM) e do METRO.

      seria muito mais interessante se o sistema de onibus fosse unificado, pelo menos na grande SP. pode ter certeza que o que gera mais custo aos cofres publicos é o sistema de onibus.

  5. poderia aproveitar o gancho e fazer uma reportagem sobre o subsidio que a prefeitura de SP dá empresas de onibus, que este ano saltou de 2,2 bilhoes para 4 bilhoes em plena epoca de pandemia.

  6. Existem umas cem medidas para o Metrô tomar para cortar custos e parar de perder dinheiro, sendo que a resolução da câmara de compensação (que envolve metrô, concessionárias, prefeituras, governo do estado, bancos de fomento e a União) é uma das últimas, senão a última.

    Mas algumas pessoas (movidas por um fanatismo ideológico) acham que essa deveria ser a primeira a ser resolvida. Seria como tentar construir a casa iniciando pelo telhado.

    O Metrô precisa decidir primeiro o que ele quer ser:

    – uma operadora de transporte em São Paulo apenas;
    – uma operadora de transporte em São Paulo e no mundo;
    – uma empresa de planejamento de mobilidade;
    – uma operadora de transporte e empresa de planejamento de mobilidade no mundo;

    Definido isso, é preciso

    – Cortar custos na operação.
    Trocar equipamentos que gastam muita energia por outros mais econômicos (o metrô, por exemplo é um dos que mais possui escadas rolantes no mundo, com boa parte delas possuindo mais de 30 anos de uso), automatizar funções como a venda de bilhetes, concluir a implantação do CBTC, substituir/modernizar a Frota E, substituir a iluminação das estações, trocar claraboias e telhas translúcidas das estações em superfície, reformar instalações hidráulicas, elétricas, etc;

    – Investir na ampliação de receitas não tarifárias
    Um melhor uso de áreas remanescentes, com a construção de equipamentos e aluguel para a iniciativa privada. Melhor uso de propagandas, revisão do contrato com a JC Decaux, construção de empreendimentos associados nas estações existentes e parcerias com a iniciativa privada;

    – Investir na fiscalização de contratos terceirizados
    Isso garante que cada centavo investido foi realmente aplicado em contratos benéficos para a administração;

    – Demitir metade dos funcionários comissionados e tornar o salário do governador o teto salarial para todos
    Hoje o salário do governador está em torno de R$ 23 mil, mas existem funcionários comissionados ou que entraram na empresa sem concurso e hoje ganham o dobro ou quase o triplo disso sem que esses altos salários se revertam em benefícios para a empresa e para a sociedade;

    – Intervenção no setor jurídico do Metrô
    Reciclagem dos funcionários, adequação dos critérios de licitação e aquisições e uma fiscalização intensa sobre a aplicação desses critérios para diminuir o número de judicializações de contratos;

    – Implantação de um escritório de engenharia consultiva próprio
    Assim o metrô poderia participar de licitações de projetos, fiscalização, construção operação e manutenção de projetos de mobilidade (trem, metrô, ônibus, trólebus) mundo afora, seja sozinho ou em consórcio. Os funcionários comissionados estão lá para isso também.

    – Reforma administrativa
    Uma reforma que permita a qualquer metroviário alcançar funções de chefia, benefícios adequados e cadeira permanente de representantes dos funcionários e da sociedade no conselho de administração da empresa;

    Enfim, são tantos passos importantes…mas tem gente que só enxerga a tal da “câmara de compensação” como se o Metrô fosse uma empresa perfeita e todos os seus problemas fossem externos (gerados pelos outros).

    1. tudo isso que vc escreveu todo mundo está careca de saber e ninguem está dizendo que o metrô é perfeito ou q nao se deve fazer reformas estruturais. a questão é: adianta fazer todas essas economias se a principal fonte de receita da empresa , que é a arrecadação , sofre com as regras da camara de compensaçao?

      se a camara de compensação nao é o problema, porque o GESP repassa todo santo ano, desde 2015, valores ao metrô devido a perda graças a PPP e a concessão da linha 5? porque no balanço da CPTM de 2018, ela cita que perdeu 200 milhoes de receita tarifaria com a via mobilidade e os onibus da EMTU?

      o correto seria tanto metrô quanto CPTM serem independentes e receberem um valor pré-estabelecido pelo estado pela prestação de seu serviço, sem cargos de indicação politica. com isso já se teria autonomia e melhor eficiencia na estrtura da empresa, como vc bem mencionou em seu texto. mas a continuar nessa dependencia do estado cada vez maior, vai continuar dessa forma.

      1. O estado (por meio do Metrô) celebrou contratos com a Via Quatro e Via Mobilidade e prometeu cumpri-los sob pena de pagar multas. Isso é a tal “câmara de compensação”.

        O estado prometeu entregar as Linhas 4 e 5 totalmente prontas para as concessionárias explorarem (com elas pagando os custos de operação, manutenção e até de algumas obras).

        Se tivesse entregue, não haveriam compensações a serem pagas ou elas seriam irrisórias. Mas o estado entregou pela metade e criou benefícios sociais por populismo sem ter receita própria para custeá-los (contrariando a legislação) e isso causa prejuízos artificiais para as concessionárias, que precisam ser compensadas. Se as concessionárias causarem prejuízo para a sociedade, elas terão de compensar o estado. Mas advinha quem não cumpriu o contrato? O estado.

        Se o estado não consegue cumprir o que assina, ele que pague por isso. Simples.
        Da mesma forma que as empresas privadas pagam altas multas por não entregarem projetos, produtos e serviços nos prazos para o estado.

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