Em vez de Metrô, ABC Paulista terá mais 25 anos da Metra e seus ônibus

Ônibus da Metra (GESP)

Cerca de dois anos após insinuar pela primeira vez que iria cancelar a Linha 18-Bronze do Metrô e substitui-la por um corredor de ônibus, o governo Doria oficializou a cessão de praticamente todo o transporte coletivo intermunicipal para a concessionária Metra, hoje responsável pelo corredor ABD.

Em decretos publicados no Diário Oficial desta sexta-feira, 19, o governo conclui assim um plano que já vinha sendo desenhado desde o início do mandato de João Doria (PSDB), o de trocar uma linha metroviária do tipo monotrilho, com contrato assinado e atrasado quatro anos por falta de ação do poder público, por um acordo que beneficiará a Metra, empresa que seria afetada pela Linha 18.

Em troca, ela assumirá todo o custo de implantação de um corredor de ônibus “BRT” entre o centro de São Bernardo do Campo e as estações Sacomã e Tamanduateí da Linha 2-Verde, com 17,3 km de extensão e que se integrará ao Corredor ABD.

A empresa, de propriedade do grupo Viação ABC, tradicional operador de linhas de ônibus na região, também ficará responsável pela antiga área 5 da EMTU, de ônibus intermunicipais. Não é só: a Metra poderá terceirizar esse serviço e ser uma espécie de intermediária entre o governo e suas subcontratadas, recebendo parte do lucro na atividade sem operar um ônibus sequer se assim desejar.

Com a renovação da concessão do Corredor ABD, a Metra ficará à frente do transporte por ônibus na maior parte do ABC Paulista já que ela é também responsável pelo transporte na cidade de São Bernardo do Campo, coincidentemente administrada por outro político tucano, Orlando Morando.

Ônibus da Metra: quase monopólio do transporte coletivo no ABC (GESP)

Detalhes desconhecidos

Os decretos, no entanto, não esclarecem os meandros do acordo, apenas informam que a Metra passará a adotar alguns padrões de gestão dessa operação e que receberá uma tarifa de remuneração que pode se basear em índices de cumprimento de metas.

Quanto ao corredor “BRT”, o governo Doria apenas explica que a concessionária assumirá todo o risco de implantação do projeto, incluindo pagar as desapropriações necessárias. O texto, no entanto, cita pela primeira vez quantas paradas o trajeto terá: serão 20 pontos de ônibus, a que a gestão atual já se referiu como “estações”. São elas Rua do Grito, Albino de Morais, Alcatis, Almirante Delamare, Goiás, CEU Meninos, Cerâmica, Estrada das Lágrimas, Jd. São Caetano, Vila Império, Instituto Mauá, Rudge Ramos, Afonsina, Fundação do ABC, Vila Vivaldi, Winston Churchill, Senador Vergueiro, Abrahão Ribeiro, Aldino Pinotti e Metrópole, além de paradas nos três terminais existentes hoje – Sacomã, Tamanduateí e São Bernardo do Campo.

Ou seja, ao contrário da Linha 18, haverá uma operação em ‘Y’, com ônibus seguindo para os dois terminais ligados ao Metrô.

Detalhes sobre prazo de implantação do novo corredor, estimativa de custos e desapropriações e características operacionais continuam desconhecidos, apesar das inúmeras promessas do secretário Alexandre Baldy de apresentar o ‘projeto do BRT’.

Esses e outros pontos não revelados devem estar presentes no Termo Aditivo de Prorrogação Antecipada da Concessão, que rege as regras do acordo entre o governo e a Metra, mas que não foi divulgado ainda.

Projeção de uma das estações da Linha 18-Bronze: em vez de transporte rápido e segregado, ABC conviverá mais 25 anos com a Metra (Fernandes Arquitetos)

Decisão à revelia da população

Os decretos do governo Doria desta sexta-feira reforçam a sensação de que o processo decisório que levou à extinção de uma linha de metrô contratada, algo até então inédito, levou em conta vários aspectos menos o desejo da população do ABC Paulista, que há muito tempo aguardava pela Linha 18-Bronze como solução de transporte rápido, seguro e integrado à malha de mais de 370 km de trilhos.

Seria possível para muitos usuários chegar a regiões como a Paulista com apenas uma baldeação em cerca de 40 minutos a partir do centro de São Bernardo do Campo, um benefício já concreto para os moradores ao longo da Linha 15-Prata.

Apesar disso, a promessa de campanha do tucano foi jogada no lixo, ao que parece, poucas semanas após assumir o governo. Antes de anunciar oficialmente o fim da Linha 18, Doria e seus auxiliares já pavimentavam a virada de jogo que culminaria com a entrega do sistema de transporte para a Metra.

Desde então, os poucos passos conhecidos sempre foram em prol da empresa, seja ao prometer uma “solução barata e tão eficiente quanto o Metrô”, seja ao nunca mostrar o suposto ‘projeto’ do BRT. Quando um documento da EMTU no passado revelou os planos do governo, a mudança de direção começou a fazer sentido.

Não demorou para que a EMTU anunciasse tratativas com a Metra e mais tarde recomendasse a renovação sob argumentos não revelados ao público. O Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (CGPPP) e o Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização (CDPED), formado por pessoas de confiança do governador, obviamente não questionaram os estudos e logo ratificaram a decisão de renovar com a concessionária.

Documento apócrifo do início do governo Doria já delineava solução ratificada dois anos depois (Reprodução)

Acordo nos bastidores

Causa estranheza, no entanto, que um processo como esse, que envolve estender um contrato até 2046, não tenha sido alvo de uma consulta pública e de análise do Tribunal de Contas do Estado, afinal ao decidir oferecer esse “pacote” para a Metra, o governo Doria ignorou possíveis novos interessados na concessão e que poderiam fazer com que o resultado de uma concorrência gerasse mais benefícios para o estado e sobretudo à população.

O aval do TCE, aliás, seria imprescíndivel já que não se sabe se os termos acertados nos bastidores são de fato vantajosos para o erário público. Apenas como exemplo no campo federal, a MRS, concessionária de cargas, está há anos tentando a renovação de seu contrato, cuja proposta já foi divulgada em sua forma inicial e que está prestes a ser analisada pelo TCU, tribunal de contas federal.

No fim, os moradores e frequentadores da região do ABC, de fundamental importância econômica no estado, continuarão privados de uma linha de metrô por bastante tempo, algo que poderia ter sido resolvido há tempos se houvesse coerência na atual gestão a respeito da prioridade ao transporte sobre trilhos – como ocorre em outras partes da Grande São Paulo.

Em vez de Metrô, o ABC conviverá com mais ônibus e trânsito, sonhando que a longíqua Linha 20-Rosa um dia se transforme em realidade. Claro, se não for trocada por alguma solução “rápida e barata”.

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