Foram quase sete meses para que o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferisse seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7048 (ADI 7048), movida pelo Partido Solidariedade e que questiona dois decretos estaduais que beneficiaram a concessionária Metra (Next) com um pacote de mais de R$ 22 bilhões.
O Ministro divergiu da relatora do processo, a Ministra Cármem Lúcia, e votou a favor da legalidade dos decretos, argumentando que as explicações técnicas da EMTU, empresa do estado que gerencia a Metra, foram suficientes para justificar o repasse das linhas de ônibus da Área 5, o corredor de ônibus BRT-ABC e a extensão da operação do Corredor ABD por mais 25 anos, totalizando meio século de concessão.
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Logo que colocou seu voto no sistema do STF nesta sexta-feira (5), outro Ministro, Alexandre de Moraes, pediu vista, para também analisar o caso com mais calma. Se seguir o novo regimento da casa, ele terá até 5 de agosto para apresentar seu voto, caso contrário a ação voltará ao plenário automaticamente.
Com o voto de Gilmar Mendes, a situação é de dois votos favoráveis à anulação dos decretos e da extensão da concessão e um contra. São necessários seis votos para que o assunto seja definido.

Crença na “vantajosidade” da prorrogação
O Ministro Gilmar justificou seu longo tempo de análise em um voto curto, que citou outra ação do tipo, a ADI 5991, em que a Procuradoria Geral da República pediu a anulação de decretos federais relacionados à concessão de serviços ferroviários e foi considerada improcedente em 2020.
Em seu voto ele divergiu do entendimento de Cármem Lúcia ao afirmar que “não compete ao Supremo Tribunal Federal perquirir o mérito da decisão administrativa de prorrogação dos contratos vis a vis a realização de novos procedimentos licitatórios em situações concretas.”
Na prática, Gilmar não quis entrar no mérito se as duas novas atribuições constituem “novos investimentos” que não fazem parte da concessão original, restrita ao Corredor ABD, que atende São Bernardo do Campo, Santo André, Diadema e parte da Zona Sul de São Paulo.

Ainda segundo ele, a “vantajosidade” da prorrogação foi justificada pelos estudos da Metra e da EMTU. “Pelas razões detalhadas nos pareceres técnicos, parece ser clara a vantajosidade para a administração pública e para a sociedade paulista mediante a assunção de novos investimentos no sistema de transporte pela concessionária Metra“, disse.
“Entendo que a assunção de novas obrigações de fazer para investimento em malhas do interesse da Administração Pública não desfigura o objeto do contrato de concessão original. Sendo o contrato de concessão um acordo bilateral que opera no interesse da Administração Pública, nada impede que, de forma acessória à obrigação principal de prestação adequada do serviço dentro da malha licitada, sejam também pactuadas novas obrigações“, acrescentou.

Opinião do editor
O ponto de vista do Ministro Gilmar Mendes sugere que a “assunção de novas obrigações” pelas concessionárias, desde que seja de interesse do governo, justifica o repasse de novos ativos sem relação com o escopo original às empresas contratadas, sem a necessidade de licitações públicas, como exige a Constituição.
O precedente aberto por esse raciocínio induz à crença que basta a um gestor público justificar alguma necessidade por razões técnicas (e que não serão apreciadas pelo STF já que isso não compete a ele) para que empresas privadas permaneçam ad eternum à frente de concessões públicas. E sem que exista limite para acrescentar novas áreas e funções, bastando para isso comprovar alguma relação.
Nesse caso, qualquer serviço de transporte público ligado ao governo do estado poderia ser repassado à Metra daqui em diante já que a área de atuação da empresa está se expandindo. Basta para isso “comprovar” que se tratam de “serviços complementares”.
Trata-se de uma visão preocupante e que mostra a banalidade das leis no Brasil. Contratos são feitos para serem cumpridos e a legislação, para ser obedecida, não para se criarem interpretações surreais para beneficiar o que lhe convém.
Quando chicanes legais são usadas por governos, como a rescisão unilateral da PPP da Linha 18-Bronze ou a concessão do serviço de bilhetagem eletrônica para uma associação sem licitação, abre-se um precedente perigoso para um estado abusivo, que age de forma a atropelar as regras para beneficiar suas vontades, seja elas quais forem.