No próxima dia 24 serão completados dois anos do início das obras do BRT ABC, corredor de ônibus que substituiu a Linha 18-Bronze do Metrô após um acordo entre a gestão do ex-governador João Doria (então no PSDB) e a empresa Metra, controlada pela família Setti Braga, que domina o transporte no ABC Paulista.
O corredor, no entanto, ainda está bem distante da inauguração, prometida agora para 2025 após ter sido prevista para 2022, 2023 e 2024.
Nunca é demais lembrar que o BRT da Metra foi proposto no lugar da linha de monotrilho porque seria “mais rápido” para ser implantado, como o governo do estado divulgou à época:
“O BRT pode ser implantado em 18 meses, a partir do início de sua construção, e tem capacidade para transportar até 340 mil passageiros por dia“, dizia o trecho do comunicado divulgado em 3 de julho de 2019, quando Doria anunciou o fim da Linha 18.
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A série de desinformação que se seguiu ao anúncio foi enorme, como tem registrado este site desde então. Uma delas dizia respeito justamente à Metra, que desde o começo de 2019 já se movimentava para eliminar o monotrilho e assim abrir caminho para expandir o contrato com o governo.

Como mostramos, a concessionária do Corredor ABD já tinha em mãos desde o primeiro trimestre de 2019 de um estudo que propunha a adoção do corredor de ônibus no mesmo percurso da Linha 18-Bronze.
Ela bancaria o projeto desde que, como moeda de troca, tivesse a concessão do Corredor ABD renovada e incluída também a exploração comercial do BRT ABC. Mas essas informações só chegaram ao público de maneira tortuosa até a assinatura do aditivo contratual em 2021.
A realidade é que o corredor de ônibus BRT atrairá metade da demanda estimada para a Linha 18-Bronze, de cerca de 170 mil passageiros/dia, além de precisar (na melhor hipótese) de 40 minutos para ir do centro de São Bernardo até a Linha 2-Verde do Metrô, ou cerca 50% mais tempo que o monotrilho.
Outra possível “má notícia” ainda tem sido guardada a sete chaves: quando custará ao passageiro utilizar o BRT ABC e depois embarcar na rede metroviária. Com a Linha 18, esse cenário estava claro: nenhum centavo a mais já que o ramal de monotrilho fazia parte da malha integrada.
Com o BRT, cuja arrecadação deverá ficar nas mãos da “Next”, nome fantasia que substituiu a Metra, ninguém arrisca, mas é duvidoso crer em isenção já que a empresa precisará recuperar o investimento na obra.

“O mais capaz BRT do mundo”
Não bastasse a sucessão de surpresas desagradáveis nesses quatro anos, a Metra-Next Mobilidade sacou mais uma “pérola”. Segundo o material de divulgação das obras do corredor de ônibus, o BRT ABC seria capaz de transportar 600.000 passageiros por dia.
“Capacidade de até 600 mil passageiros/dia, com demanda inicial de 173 mil passageiros/dia“, diz o resumo dos números do projeto.
Trata-se de um patamar semelhante à Linha 6-Laranja de metrô, que está sendo construída pela LinhaUni e terá uma demanda diária de 630 mil usuários em seus 15 km de extensão.
Ou seja, o corredor de ônibus da Metra, com seus 18 km, seria praticamente um “metrô pesado”.
Diante do ineditismo apontado pelo comunicado de imprensa, este site contatou o porta-voz do BRT ABC, Flamínio Fichmann, para buscar evidências sobre como a empresa chegou a tal número.
A primeira resposta, no entanto, pouco acrescentou. Flaminio, especialista que é consultado com frequência por veículos de imprensa, justificou a afirmação porque os ônibus do BRT podem fazer ultrapassagens e operarem com menor intervalo.
“Sim um sistema de BRT pode transportar até mais passageiros por dia. O intervalo pode ser inferior ao metrô e conta com 3 tipos de linhas que aumenta sensivelmente a capacidade em função da ultrapassagem nas estações, que não temos no metrô aqui no Brasil“, escreveu.

Diante da ausência de qualquer cálculo ou estudo que confirmasse o que escreveu, o site o confrontou com a capacidade real dos dois sistemas de BRT mais famosos do mundo, o de Curitiba, no Paraná, e o Transmilênio, em Bogotá, na Colômbia.
A rede da capital paranaense possui mais de 74 km de extensão (quatro vezes mais que o BRT ABC) e transportou em média por dia 721,5 mil passageiros em 2023.
Já o enorme BRT colombiano, o maior do mundo, com quase 115 km de corredores (mais de seis vezes mais extenso), levou em média 1,84 milhão de usuários diariamente no ano passado.
Ambos os dados foram divulgados pelo site Global BRT Data, mantido pela organização UTC, que promove o modal. Ou seja, se o BRT ABC chegar a esse número mágico seria o “mais capaz BRT do mundo”.
BRT não tem a mesma capacidade de um metrô
A resposta seguinte de Fichmann foi ambígua. Primeiro ele admitiu que “a concepção do BRT ABC não tem a mesma capacidade de um metrô ou trem…A capacidade de um metrô atinge 50 a 60 mil passageiros por hora/sentido. O BRT ABC poderá atender mais da metade dessa capacidade“.
Mas em seguida voltou a afirmar que o “BRT ABC tem condições de ampliar esse atendimento até 600 mil passageiros/dia, posição que acreditamos ser totalmente possível“.

Fichmann citou a diferença entre demanda (os 173,5 mil passageiros/dia estimados para o corredor) e capacidade, que é o dado que se chega ao dimensiornar o projeto,.
Em momento algum, este site duvidou se haverá demanda para tantos passageiros e sim como a Metra chegou a uma capacidade tão gigantesca.
Estudos de capacidade ainda obscuros
Também solicitamos um estudo nos moldes dos que o Metrô de São Paulo produz para linhas como a 19-Celeste ou a 20-Rosa e que corroborasse o patamar de 600 mil passageiros por dia.
Afinal, quantos ônibus seriam necessários? Qual velocidade deveriam operar? Qual seria a capacidade por veículo? Qual o tempo de viagem? Não tivemos qualquer resposta nesse sentido.
Quatro anos depois da inédita decisão de cancelar uma linha de metrô já contratada, o ABC Paulista segue distante do Metrô. A Linha 20-Rosa, utilizada na época como um pretexto para minimizar críticas, só deverá sair do papel na próxima década.
Por outro lado, a Linha 18-Bronze, acreditem, poderia ter ficado pronta e hoje levar cerca de 340 mil pessoas por dia, demanda e capacidade que, ao contrário do BRT, foram comprovadas por documentos tornado públicos.