O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7048 nesta sexta-feira, 7, teve início com o voto da relatora do caso, a Ministra Carmém Lúcia, que considerou inconstitucional os dois decretos estaduais publicados pela gestão Doria/Garcia em 2021 e que concederam à empresa Metra um pacote de linhas e sistemas de ônibus no valor de quase R$ 23 bilhões.
A petição foi movida pelo partido Soliedariedade no final do ano passado e questiona os decretos 65.574/21 e 65.575/21, que permitiram à Metra estender seus direitos sobre o Corredor ABD por mais 25 anos e incluir no contrato a operação de dezenas de linhas da chamada Área 5 da EMTU além do controvertido “BRT ABC”, um sistema de ônibus com 17 km que substituiu a Linha 18-Bronze do Metrô.
As manobras da gestão Doria e Garcia para conceder o pacote de bondades aos sócios da Metra, que controlam o transporte coletivo no ABC, incluíram a rescisão unilateral com a VEM ABC, concessionária que venceu a licitação de PPP da Linha 18-Bronze em 2014 e que estava impedida de executar o serviço por conta da incapacidade da gestão pública cumprir sua parte no contrato. Com isso, abriu-se caminho para incluir o corredor de ônibus entre o centro de São Bernardo do Campo e a estação Tamanduateí da Linha 2-Verde, como havia sugerida a Metra em 2019.
A relatora votou a favor da ilegalidade dos decretos, porém, ciente do impacto que a anulação do contrato com a Metra teria na operação do serviço de ônibus atualmente, determinou que o governo do estado providencie uma licitação dentro de 12 meses em que a concessionária continuará à frente da operação.

O julgamento virtual terá agora o voto de outros ministros que têm até 17 de outubro para se pronunciar, caso não haja um pedido de vista, recurso usado para pausar a decisão enquanto se analisam mais detalhes.
A compreensão de que a ação da gestão atual do governo paulista foi inconstitucional ao dispensar a óbvia licitação pública, no entanto, pode significar uma virada importante no caso enquanto outras instâncias jurídicas como o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Contas do Estado ainda não decidiram sobre o mesmo assunto.
Veja a seguir os principais pontos elencados pela Ministra Carmém Lúcia:
“Os Decretos n. 65.574/2021 e n. 65.575/2021 não regulamentam a Lei paulista n. 16.933/2019. São eles atos autônomos, editados pelo Chefe do Poder Executivo estadual para autorizar a prorrogação, de forma antecipada, da concessão de serviço de transporte público na região metropolitana de São Paulo“, sobre a alegação que os decretos não seriam motivo de análise constitucional.
“Põe-se em foco, neste processo, específica prorrogação antecipada de concessão pública em São Paulo, afirmada pelo autor como gravosa ao princípio constitucional da obrigatória licitação, modificação e até mesmo ampliação do objeto do contrato administrativo“, esclarecendo o que está sendo de fato julgado.
“Indiscutível é a natureza do dever atribuído ao poder público de observar os princípios da licitação, da legalidade e da moralidade. Na espécie, tem-se ainda a demonstração de afronta ao princípio da impessoalidade pela prorrogação antecipada de concessão pública com a única empresa pelo prazo de vinte e cinco anos, com ampliação do objeto contratual“, a respeito da manobra jurídica adotada pela gestão Doria/Garcia para ampliar de forma descomunal o escopo da concessão da Metra.

“Não resiste ao teste de constitucionalidade”
“A justificativa de que a concessão, implantação, manutenção e exploração do Sistema BRT-ABC (Bus Rapid Transit) e do Sistema Remanescente se incorporarão à prorrogação antecipada da concessão do serviço de transporte coletivo no Corredor Metropolitano São Mateus /Jabaquara a título de “novos investimentos” (art. 1º do Decreto n. 65.574 /2021) não resiste ao teste de constitucionalidade, por afronta direta aos princípios da prévia licitação para a contratação administrativa, da legalidade, da isonomia, da moralidade e da impessoalidade“, explicando por que a inclusão dos novos serviços não deveria ter sido feita.
A Ministra incluiu em seu voto trecho de parecer do TCE-SP que explica que “O sistema BRT ABC Paulista tem extensão aproximada prevista de 17 quilômetros e a partir desse dado é possível aferir que o aditamento pretendido poderá ampliar a malha concedida em 51%, tendo em vista apenas a exploração do BRT, complementado ainda pela malha do Sistema Remanescente“.
“Causa estranheza e não se demonstra fundamentada que a concessionária beneficiada com a prorrogação antecipada assuma toda a chamada Região Remanescente, podendo, inclusive, subcontratar os serviços de operação de transporte de passageiros (inc. V do art. 2º do Decreto n. 65.574/2021)“, sobre a possibilidade de a Metra terceirizar a operação de ônibus.
“Se a intenção do administrador é ampliar o objeto da concessão, há de se realizar, necessariamente, prévia e nova licitação pública para a delegação desses serviços, com garantia de acesso de quantos se acharem em condições de oferecerem vantagens administrativas aos órgãos públicos“, reforçou a respeito da necessidade de uma nova concorrência.
“A opção pela prorrogação antecipada, ao invés de se promover a constitucional realização de licitação pública para a concessão dos Sistemas BRT e Remanescente não se fundamenta na Lei paulista n. 7.835/1992, na qual descritas as hipóteses expressas de dispensa e inexigibilidade da concorrência para a concessão de obra ou serviço público“, lembrou Carmém Lúcia, citando lei do estado de São Paulo que regulamenta licitações.

O voto
“Tem-se, portanto, que os Decretos n. 65.574/2021 e n. 65.575/2021 do Governador do Estado de São Paulo afrontaram os princípios do dever de se atender à licitação prévia, à legalidade, à moralidade e à impessoalidade“, decidiu a Ministra, que propôs ainda que:
“Para a garantia do interesse público na continuidade da prestação dos serviços, impõe-se que se assegure a persistência dos atos administrativos garantidores daquele desempenho, firmados com base nos Decretos n. 65.574/2021 e n. 65.575/2021, pelo prazo máximo de doze meses, para que o Estado de São Paulo providencie o cumprimento do seu dever de assumir diretamente ou licitar o objeto do ajuste com contratado particular, com o aperfeiçoamento dos novos atos assecuratórios daquela prestação de serviços de transporte coletivo do Corredor Metropolitano São Mateus/Jabaquara com incorporação dos Sistemas BRT/ABC e Remanescente, na forma que entender conveniente e adotada segundo os ditames da legislação vigente“.