No mesmo dia em que o governador João Doria (PSDB) realizou o início simbólico das obras do BRT-ABC, um despacho do conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), apontou flagrantes irregularidades no aditivo contratual que permitiu à Metra assumir o novo corredor de ônibus, que substituiu a Linha 18-Bronze, do Metrô.
Marinho estipulou um prazo de 15 dias para que a EMTU, a companhia estatal que gerencia os ônibus intermunicipais no estado, explique por que decidiu assinar a extensão do contrato de concessão do Corredor ABD por mais 25 anos com a Metra, incluindo no pacote de R$ 22,6 bilhões, várias linhas de ônibus da chamada área 5 e também o controvertido corredor BRT-ABC.
De acordo com o conselheiro, o relatório de fiscalização produzido pelo TCE apontou várias irregularidades, dentre elas duas bastante evidentes, que ele descreveu:
- “Embora envolvendo o mesmo modal de transporte, houve um vulto expressivo de acréscimos de toda ordem que veio a ser produzido um novo objeto, distinto daquele pactuado no Contrato de Concessão EMTU/SP nº 20/1997, o qual fora ajustado em detrimento do postulado da licitação do art. 14 da Lei nº8.987/95 e do art. 175 da Constituição Federal”.
- “o presente caso não se amolda à prorrogação antecipada da Lei estadual nº 16.933/19, pois: – a Lei estadual não abrange a contratação de um novo objeto de concessão, mas, somente um acréscimo simples ao escopo original; e – mesmo no que diz respeito à resolução de desequilíbrio econômico-financeiro, os dispositivos da Lei estadual não abrangem a contratação direta de um novo objeto de concessão“.

O mesmo que dar o Aeroporto de Congonhas à GRU Airport sem licitação
O conselheiro Robson Marinho, assim, contradiz todo a alicerce jurídico bancado pelo governo do estado para “driblar” a necessidade de uma nova licitação para o Corredor ABD, cujo contrato original venceria em 2022 após uma extensão emergencial de mais cinco anos.
O TCE abordou a lei estadual sancionada em 2019 para facilitar renovações de concessões, mas que no caso da Metra envolveu repassar a ela um “novo objeto de concessão”, ou seja, entregar para a empresa um novo projeto sem qualquer conexão com o Corredor ABD.
Seria como se a GRU Airport, concessionária do Aeroporto de Guarulhos, assumisse também o Aeroporto de Congonhas sem licitação, apenas porque os dois terminais aéreos ficam na mesma região e juntos poderiam gerar sinergias em sua operação conjunta.
O Tribunal também desfez um argumento caro ao governo Doria, o de que as dívidas acumuladas junto à Metra podem ser resolvidas com a ampliação do contrato de concessão e sua renovação por mais 25 anos. Em despacho anterior, os conselheiros já haviam questionado como a gestão estadual deixou que os supostos débitos de cerca de R$ 740 milhões tivessem surgido sem qualquer ação para questioná-los.

Como o site mostrou com exclusividade, a Metra tomou a iniciativa de oferecer o projeto do BRT ABC no início de 2019, logo nos primeiros meses da gestão Doria. Semanas depois, o governador já dizia em eventos públicos que a Linha 18-Bronze, de monotrilho, seria substituída por um modal mais barato e rápido para ser implantado.
Em julho daquele ano o BRT-ABC foi apresentado, mas sem nenhuma alusão à participação da Metra. Meses depois o governo decidiu extinguir o projeto da Linha 18 enquanto os rumores sobre o envolvimento da concessionária do Corredor ABD surgiam. A confirmação do arranjo para repassar o pacotão de R$ 22,6 bilhões para a Metra, controlada por uma influente empresa transporte rodoviário do ABC, só foi oficializado em março do ano passado.
