Vejam, as viagens entre São Paulo e Campinas são intensas em qualquer época do ano. As duas principais rodovias que ligam as cidades, no caso a SP-330 e a SP-348, de acordo com informações retiradas do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), tiveram um volume médio diário (VDM) de cerca de 237 mil veículos ao longo do ano de 2023 somando os dois sentidos.
É um número extremamente expressivo e nos faz vislumbrar que existe espaço, de sobra, para outros modos de transporte que não seja o rodoviário. Sendo assim, a possibilidade de uma ligação via trilhos, faz com que haja uma grande empolgação, até porque, décadas atrás, o serviço ferroviário entre as duas cidades já existia.
Porém, o projeto atual do Trem Intercidades, levado entusiasmadamente adiante pela gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), começa a fazer o otimismo dar lugar a uma incerteza pouco a pouco, à medida que os detalhes começam a ser melhor analisados. Em outras palavras, a emoção vem dando lugar à razão.
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A ligação entre as duas cidades é objeto de estudo desde ao menos os anos 2000. Naquela época, o projeto estava à cargo da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que fazia parte de um amplo programa de trens regionais.
No começo da década de 2010, o plano chegou a ser divulgado em diversos locais. A rota para Campinas teria um traçado diferente do atual. Seriam aproveitados apenas algumas partes do trecho da Linha 7-Rubi. A nova ligação usaria a mesma faixa até, aproximadamente, a região de Perus, para, em seguida, ter uma via própria nova e depois se encontrar com a faixa existente novamente só após Jundiaí, em uma das alternativas.
Esse traçado seria mais linear e com menos interferências, o que garantiria viagens mais rápidas e competitivas. A velocidade máxima do trem seria de 160 km/h (aqui sim um trem de média capacidade) e a bitola usada seria a internacional (1435 mm), resultando em um custo menor de aquisição e manutenção do maquinário ferroviário. Entretanto, esse projeto foi descartado por seu custo mais elevado.

Mudança de projeto em 2017
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) passou a ser a nova responsável do projeto e, com isso, vieram as alterações profundas, que resultaram no projeto atual. Em 2017 ficou decidido que se usuaria toda a faixa atual existente e da carga após Jundiaí até Campinas.
A Linha 7-Rubi seria incluída no projeto como forma de reduzir a participação estatal, além de garantir ao futuro operador um retorno financeiro imediato com a operação da linha.
Durante a gestão de João Doria (PSDB), o projeto foi consolidado. Ficou decidido que seriam três serviços: a Linha 7-Rubi, que seria encurtada na Barra Funda e em Francisco Morato, o Trem Intermetropolitano (TIM), serviço parador entre Francisco Morato e Campinas, e o próprio TIC, a ligação expressa.
Restava, porém, a segregação do transporte de carga, permitindo a operação sem interferências, fato que aconteceu em 2022. O projeto ficou orçado em cerca de R$ 13 bilhões, com o poder concedente arcando com 50% desse valor.
Quando assumiu a gestão estadual, o governo Tarcísio lançou o edital de concessão no início de 2023, com alterações sensíveis.
Uma delas foi a mudança do ponto terminal da Linha 7-Rubi. Em vez de Francisco Morato, a linha continuaria finalizando em Jundiaí, diga-se de passagem, uma decisão acertada, uma vez que desobrigaria ao passageiro pagar mais uma tarifa no trem entre Jundiaí e Botujuru.
O TIM, então, agora seria o serviço metropolitano entre Jundiaí e Campinas, obedecendo paradas em Louveira, Vinhedo e Valinhos.
Ao longo de 2023, o tal mercado não sinalizou bem ao projeto. O leilão, que estava marcado para novembro do mesmo ano, foi alterado para 29 de fevereiro de 2024 e com novas mudanças, dessa vez atendendo as exigências dos potenciais interessados.
Em vez de arcar com 50% da obra, o governo estadual passaria a aportar 75% de recursos. Além disso, passou a garantir 90% da receita do TIC ao futuro operador privado, um completo descalabro.
Dado esse contexto histórico, vamos mostrar aqui algumas das razões que reforçam que o TIC é um projeto extremamente falho e que tem muito o que melhorar para se tornar competitivo.

Tempo de percurso e valor da tarifa
Para nós do Plamurb esses dois pontos são os aspectos principais. Para que um serviço ferroviário seja competitivo e atrativo em um país de cultura rodoviarista, ele precisa ser rápido ou barato. E o TIC peca nos dois pontos.
A tarifa máxima a ser cobrada é de R$ 64,00. O tempo estimado é de 1h04. Por si só, isso não vai tirar o passageiro que está no automóvel.
Falando em automóvel, o erro do TIC é esse. Nas apresentações feitas pelo governo estadual, são feitas comparações apenas com o serviço de ônibus, erro grosseiro. Com o advento desses aplicativos, a tendência é que as viagens por esse modo fiquem cada vez mais baratas e acessíveis.
Se hoje uma viagem regular de São Paulo a Campinas custa entre R$ 40 e R$ 45,00, no futuro elas tendem a ficar mais baratas. E se hoje a tarifa do TIC está estimada em R$ 64,00, no futuro, quando o projeto for lançado, ela estará maior.
Para se ter uma ideia, há alguns dias, fomos até a região da Unicamp, saindo da zona norte de São Paulo. Levamos exatamente 1h30. Colocamos R$ 100,00 de gasolina e pagamos, entre ida e volta, R$ 52,00 de pedágio, ou seja, R$ 152,00 da porta de casa até a região da Unicamp.
Se dividirmos pelas quatro pessoas que estavam no automóvel, o custo médio ficou em R$ 38,00. Se o TIC estivesse funcionando hoje, o custo teria sido de R$ 512,00. Deve-se incluir, também, o custo do transporte coletivo de casa até a Barra Funda, e da estação central de Campinas até as proximidades da Unicamp.
Entenderam aonde queremos chegar? Imagine gastar mais que um terço do salário mínimo vigente para ir e voltar de Campinas por meio do TIC? Certamente será um serviço elitizado.

Valor da tarifa no TIM
O TIM será um serviço metropolitano parador atendendo as cidades de Jundiaí, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Campinas. A tarifa a ser cobrada, de acordo com o edital, é de R$ 14,05. Trata-se de uma tarifa quilométrica, ou seja, quem percorrer uma distância menor, pagará menos.
Porém, o serviço que o TIM prestará no futuro é o que a CPTM faz hoje, ou seja, um serviço metropolitano. Logo, o mais lógico e justo seria cobrar a tarifa pública vigente, ou seja, os R$ 5,00 atuais. Assim, quem viesse de Campinas e decidisse usar o TIM e a Linha 7-Rubi gastaria R$ 10,00.
De uma maneira geral, nos causou um certo espanto esse valor tão elevado. Estávamos crentes que cobrariam a tarifa pública, até porque, como já dissemos mais acima, trata-se de um serviço metropolitano também.
Dentro de políticas de mobilidade urbana, a acessibilidade financeira é um dos pontos de atenção e que precisa ser rigorosamente trabalhada, de modo a tornar o serviço inclusivo. Portanto, no referido contexto, não faz muito sentido uma tarifa que destoa das demais, mesmo em tratando de um serviço novo.
Via singela
Esse aqui é outro detalhe que coloca em xeque os benefícios do TIC. O serviço expresso irá operar em via singela entre Barra Funda e Jundiaí, ou seja, apenas um trilho para os dois sentidos da viagem. Essa foi a “solução” encontrada pelo governo para lidar com a faixa disponível. Vamos entender.
O projeto atual contempla 4 vias entre Barra Funda e Jundiaí. São duas vias para a Linha 7-Rubi, uma via para o TIC e outra para a carga.
Por esta razão, o TIC irá operar em via singela no trecho em questão. Haverá alguns pontos de ultrapassagem, porém, em alguns momentos o trem que estiver no sentido de menor demanda deverá dar prioridade ao de maior demanda, ou seja, deverá aguardar nos locais definidos para, assim continuar a viagem.

Exemplo: de manhã, geralmente, o fluxo maior tende a ser de Campinas para São Paulo. Isso significa que o trem do sentido oposto (São Paulo a Campinas) deverá ficar aguardando em alguns momentos o outro trem passar por ele. No final da tarde, a situação se inverterá. Por si só isso já aumenta o tempo de viagem.
Entre Jundiaí a Campinas, serão três vias, duas para o TIM e uma para a carga. Neste caso, o TIC irá compartilhar os trilhos com o TIM, que também poderá impactar nas viagens.
É inadmissível pensar em um serviço expresso operando em via singela, no momento em que se fala em retornar com as ligações regionais de modo a atrair passageiros de outros modos. Não tem cabimento.
Supondo que a demanda aumente em todos os serviços e, consequentemente, o número de viagens seja necessário, haverá muitos, mas muitos problemas no futuro.
Custos e aportes do governo
Esse aqui é outro ponto que muito vezes é motivo de grande discussão. De 50%, o governo passou a bancar 75% do projeto. De assunção dos riscos pela operadora privada, agora o governo vai garantir 90% das receitas do TIC. Tem algo de errado aí.
Em um modelo de gestão capitalista, o mercado precisa sim assumir os riscos de um projeto, o que, claramente não vemos neste caso. O Estado vai entrar com três quartos dos custos das obras. Aqui, a PPP ficou com o significado de “pouca participação privada”.

Além do pagamento por disponibilidade (PPD), que será a forma de remuneração da Linha 7-Rubi e do TIM, o governo vai garantir 90% da receita do TIC. Essa manobra mostra que nem mesmo o próprio governo está confiante na atratividade do serviço expresso.
Ao assinar o contrato de concessão, o governo vai se comprometer com algo por, ao menos, 30 anos. Se a demanda ficar abaixo dos 90% das estimativas, e tudo leva a crer que sim, o Estado fará grandes aportes à concessionária.
Esse modelo atual já existe nas linhas concedidas operadas pela ViaQuatro e ViaMobilidade e tem se mostrado extremamente nocivo aos cofres públicos e às operadoras estatais, no caso na CPTM e o Metrô, já que parte desses recursos é oriundo dessas empresas.
Demais TICs e futuro dos projetos
Existem ao menos quatro projetos de TICs, cada um interligando uma importante região do estado de São Paulo: Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e Vale do Paraíba.
E, de longe, o eixo para Campinas é o que possui a maior demanda. Porém, se está havendo toda essa dificuldade e os diversos questionamentos sobre essa rota, é de se pensar como serão nas demais.
Além disso, vale ressaltar que certamente os futuros interessados nos outros TICs vão exigir do Estado os mesmos benefícios do projeto de Campinas, ou seja, arcar com 75% da obra e garantir 90% da receita.
Em outras palavras, o governo vai se enrolar dentro de algo que dificilmente irá conseguir se desvencilhar. Em uma situação mais crítica, as demais rotas podem ficar comprometidas e até serem inviabilizadas.
De acordo com declarações recentes, o governo paulista afirma que o próximo TIC a ser levado adiante é o de Sorocaba. E, sem dúvida, os problemas já começarão desde já.

Primeiro que não será possível incluir a Linha 8-Diamante no pacote (a exemplo da Linha 7 no TIC), uma vez que ela já está concedida. E mesmo que se faça um aditivo contratual com a ViaMobilidade, haveria diversos questionamentos junto aos órgãos de fiscalização.
Em segundo lugar, os trilhos para além de Itapevi inexistem em diversos trechos, com algumas moradias ocupando a faixa. Além disso, o traçado em si é muito mais sinuoso que a ligação para Campinas, característica comum à antiga Estrada de Ferro Sorocabana.
Em terceiro lugar, caso se opte por um traçado diferente da faixa atual, algo próximo do que a CPTM pensou, o custo seria elevado. Falando em custo, nas recentes declarações, o governo fala que essa obra custaria cerca de R$ 9 bilhões, valor esse que já está defasado.
Por fim, outro questionamento: onde esse TIC faria ponto terminal em São Paulo? Barra Funda já não teria espaço. Água Branca? Lapa? Vai depender do desejo de viagem da maioria das pessoas.
Fim do Serviço 710
O Serviço 710 foi, sem dúvida, umas das melhores ideias da CPTM nos últimos anos. Criado em 2021 a partir da unificação da operação das linhas 7-Rubi e 10-Turquesa, o serviço possibilitou ir de Jundiaí até Rio Grande da Serra em uma mesma viagem, ou seja, sem a necessidade de fazer baldeação, trocar de trem.
Isso acabou por beneficiar cerca de 160 mil pessoas à época, número esse que certamente está maior nos dias de hoje.
Antes disso, a Linha 7-Rubi ia de Jundiaí até o Brás, enquanto a Linha 10-Turquesa ia de Rio Grande da Serra até a mesma estação. Uma baldeação no Brás era obrigatória. Com o Serviço 710, isso deixou de ser necessário. O trecho total possui 100 km e a viagem é feita em 2h08.
Com o projeto do TIC, o Serviço 710 será extinto, e a Linha 7-Rubi terá seu traçado encurtado na Barra Funda. Serão necessárias duas transferências, uma na Barra Funda e outra no Brás, para fazer uma viagem direta entre as linhas 7 e 10.
Apenas como comparação, a demanda prevista para o TIC no horizonte do ano de 2050 é de 60 mil pessoas por dia. O Serviço 710 beneficiou 160 mil por dia. A demanda média diária das linhas 7 e 10 gira em torno de 750 mil. São números importantes para um serviço que será extinto tão logo o contrato com a futura operadora seja assinado.

Alternativas para o projeto atual
Não se pode apenas criticar, afinal é fácil ficar do lado de cá do computador apenas apontando erros. Porém, há algumas sugestões que poderiam remediar os defeitos do projeto atual, de forma a economizar recursos públicos, não prejudicar os passageiros e garantir que o Estado mantenha o know how do serviço.
Com essa incerteza, o correto seira, nesse primeiro momento, manter a CPTM operando a Linha 7-Rubi e o Serviço 710 nos moldes atuais. Em seguida, o governo paulista partiria para a construção do TIM, também operado pela estatal.
Dessa forma, além da redução dos custos, seria uma forma de se ir avaliando o comportamento da demanda nesse trecho, e fazendo as alterações necessárias para que, mais adiante, pudesse iniciar as obras do TIC, atendendo, de fato, aos anseios da população. Como o governo paulista vai arcar com 75% das obras, a viabilização do TIM consumiria apenas parte desses recursos.
Após esse período de avaliação do comportamento da demanda, o governo entraria com a PPP para TIC e aí poderia se pensar em uma eventual concessão do serviço. Por si só isso já iria reduzir os custos globais do serviço, pois já se teria uma noção real do potencial de demanda, além de não ter a obrigação de ressarcir a concessionária caso o retorno financeiro fique abaixo dos 90% estimados.
Além disso, a operação inicial por meio da CPTM reduziria alguns custos. Notem que hoje cada concessionária nova que opera uma linha metroferroviária precisa adquirir seus próprios equipamentos e construir suas próprias edificações.
Por exemplo, cada operadora precisa dispor de seu próprio Centro de Controle Operacional (CCO). Isso faz com que sejam necessários vários equipamentos em duplicidade, um gasto dispensável. No futuro, caso se opte por conceder tudo, serão diversos CCOs, por exemplo.
Com a CPTM inicialmente operando o TIM ou o TIC, parte dos equipamentos atuais da estatal poderiam ser reaproveitados, bastando uma readequação. Com essa economia de recursos, o projeto teria uma redução do custo, que poderia ser revertido dentro do mesmo projeto ou nos outros TICs.

Conclusão
Assim como o Trem-Bala, o TIC sofre com incertezas gigantescas. A diferença é que no caso do projeto estadual, ele será levado adiante da forma medíocre como está, o que é uma pena.
O estado de São Paulo é conhecido como a locomotiva do Brasil e justamente por isso se esperava mais de um projeto que moldará o pioneirismo do retorno dos trens de passageiros.
Periga o TIC se tornar um elefante branco e, lá na frente, ser descontinuado por diversas razões. Ou, pior ainda, sequer ser construído, ficando apenas o TIM em operação em conjunto com a Linha 7-Rubi.
Vale lembrar que o projeto depende da segregação da carga por parte da MRS, ou seja, os projetos precisam estar em completa sinergia. É algo para se pensar.
Thiago Silva
Técnico em Transporte Rodoviário, Técnico em Transporte Ferroviário, Tecnólogo em Transporte Terrestre (todos pelo Centro Paula Souza) e pesquisador do sistema de transporte público da cidade de São Paulo com ênfase nos trólebus. Durante 10 anos foi membro do Movimento Respira São Paulo, que defende o uso do trólebus. Já fez atividade voluntária de Educação no Trânsito para alunos de uma escola de ensino infantil. Possui um forte olhar social para a mobilidade urbana.