No dia 3 de julho de 2019, o governador João Doria (PSDB) realizou uma coletiva de imprensa em que anunciou a substituição da Linha 18-Bronze do Metrô por um corredor de ônibus “BRT”, no maior retrocesso de mobilidade urbana já experimentado em São Paulo em sua história.
Até então, os projetos sobre trilhos, reconhecidamente prioritários como solução mais indicada para o transporte de média e grande capacidade, poderiam sofrer atrasos ou mudanças. Porém, nunca uma linha de metrô já com contrato assinado, havia sido riscada dos planos de forma unilateral, sem qualquer justificativa plausível até hoje.
“Hoje, vamos anunciar um novo modal de transporte metropolitano no ABC. Uma decisão importantíssima do Governo do Estado, depois de vários anos de retardo. Será uma opção de menor custo, de menor tempo, de mais eficiência e de menos manutenção”, anunciou Doria na época.
Passados dois anos, o ‘BRT ABC’ continua no papel e pior, questionado na Justiça pelo fato de o governo estadual ter entregado o projeto para a Metra, concessionária do Corredor ABD, sem qualquer licitação, num pacote de R$ 22,6 bilhões que fará a empresa permanecer por 25 anos no controle dos principais meios de transporte intermunicipal do ABC Paulista.

Mas, afinal, o que poderia ter ocorrido se Doria tivesse cumprido a promessa eleitoral de tirar a Linha 18-Bronze do papel? O site conseguiu ter acesso ao cronograma de implantação do ramal de monotrilho, que ficaria a cargo da concessionária VEM ABC, empresa que hoje exige cerca de R$ 1 bilhão de indenização pela quebra do contrato.
O documento, conhecido como “Datas Marco”, ou seja, quando as principais fases do projeto deverão ocorrer, é bastante elucidativo ao mostrar que o ABC Paulista, tão carente de transporte de qualidade, estaria há poucos meses de finalmente ganhar sua primeira linha de metrô.
Operação assistida no segundo semestre de 2023
Para ilustrar a hipotética situação da obra, o site calculou o cronograma baseado no mesmo mês em que Doria decretou o fim da Linha 18. Se em vez disso, o governador tivesse dado a aguardada ordem de serviço ao empreendimento em julho de 2019, hoje, dois anos depois, quase todas as frentes de trabalho teriam avançado significativamente, com exceção da instalação das passarelas de emergência.

Melhor que isso: o político tucano teria grandes probabilidades de testemunhar em dezembro de 2022, no fim do seu mandato, os testes do monotrilho já que a essa altura as principais atividades do projeto já teriam atingido entre 75% e 92% do tempo previsto de execução, um cenário parecido com o que se encontra a estação Jardim Colonial (Linha 15-Prata) no momento.
Nesse cenário hipotético, a Linha 18-Bronze daria início à operação assistida entre as estações Djalma Dutra e Tamanduateí em agosto de 2023 enquanto a operação plena poderia ocorrer a partir de fevereiro de 2024.
Há de se argumentar que projetos sobre trilhos sempre atrasam no Brasil, mas aqui se tratava de uma Parceria Público-Privada, em que toda a obra está a cargo do lado “privado” e portanto, desempedido de passar pelos costumeiros problemas da gestão pública.
Basta ver a velocidade com que a Acciona está tocando as obras da Linha 6-Laranja, outra PPP, ou mesmo a obra da estação João Dias, bancada pela Brookfield, para constatar que não seria difícil que esse cronograma fosse até mesmo adiantado.

Maciel Paiva, então presidente da VEM ABC, afirmou ao site na época que esperava concluir a obra cerca de seis meses antes do previsto, o que faz sentido já que numa PPP quanto mais cedo o ramal iniciar operação comercial, mais tempo há para acumular receita financeira.
Quanto às desapropriações, o “Santo Graal” dos argumentos do governo atual para justificar o cancelamento da linha, haveria tempo para reeditar os decretos de utilidade pública, como Maciel explicou na mesma entrevista. O executivo acrescentou na ocasião que muitos terrenos pertenciam ao estado ou prefeituras da região, o que permitiria iniciar a implantação em poucos meses.
Recursos financeiros para bancar as desapropriações, e que foram o calcanhar de aquiles da gestão Alckmin, também não parecem ser problema para o governo Doria, que conseguiu aprovar um financiamento externo de US$ 550 milhões (quase R$ 3 bilhões) para a Linha 2-Verde, sem falar nos US$ 289 milhões (R$ 1,5 bilhão) repassados pelo CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) em 2019 para o projeto da Linha 17-Ouro, também um monotrilho.

“Solução rápída” ficou pelo caminho
Como qualquer especialista em transporte público sabe, projetos de mobilidade dessa magnitude não se tornam impraticáveis apenas por suspostos custos elevados. Se fosse apenas pelo valor exorbitante, o governo britânico não bancaria o Crossrail, uma megalinha ferroviária que está sendo implantada na região metropolitana de Londres a um custo estimado de pelo menos R$ 130 bilhões, ou o equivalente a dez projetos como a Linha 6-Laranja.
No entanto, o Crossrail trará tantos ganhos para a sociedade que esse valor assustador até para padrões de Primeiro Mundo se pagará com grande margem. Guardadas as devidas proporções, uma linha de metrô como a 18-Bronze teria um efeito semelhante ao reduzir tempo perdido em congestionamentos, emissões de poluentes que levam a doenças respiratórias sem contar os benefícios trazidos pela requalificação do trajeto por onde passa.

São aspectos que tornam o monotrilho muito superior ao corredor de ônibus a cargo da Metra. Seja pelo menor tempo de deslocamento (26,5 minutos em seu trajeto total contra 40 minutos do BRT na melhor das hipóteses), seja pelo conforto e segurança, mas sobretudo pela integração tarifária gratuita com a imensa malha metroferroviária, que tornaria sua demanda naturalmente elevada.
Eram estimados 340 mil usuários por dia, três vezes mais que o ‘BRT ABC’, e que até hoje não se sabe se dará direito a usar linhas do Metrô e CPTM sem acréscimo no valor da passagem.
Mais grave que isso é constatar que a pretensa rapidez de implantação do corredor não passou de um blefe dois anos atrás. O governo vendeu a ilusão de que “tiraria um novo modal do bolso”, recheado de virtudes, mas que, como há muito este site alerta, não encontra paralelo no mundo real.
Doria e sua equipe só pintaram o “quadro bonito” da solução, como afirmar que o corredor seria construído em apenas 18 meses, que custaria “na ordem de R$ 680 milhões”, segundo secretário Alexandre Baldy (STM), e teria “capacidade para transportar até 340 mil passageiros por dia”, de acordo com texto oficial do governo.

Hoje se sabe que o BRT deverá levar ao menos 42 meses para chegar uma suposta operação parcial – prometida para o final de 2022 -, transportará no máximo 115 mil pessoas por dia e que custará R$ 859 milhões – bancados pela Metra, mas que por outro lado receberá R$ 738 milhões dos cofres públicos a título de ‘reequilíbrio financeiro’.
Ainda entram nessa conta o indispensável piscinão em São Caetano a um custo estimado em R$ 1 bilhão e sem o qual o corredor poderia parar de funcionar em alagamentos, e a mais do que provável indenização à VEM ABC, hoje em discussão na Câmara Brasil-Canadá.
É um retrato bastante nítido de como más decisões políticas, motivadas por argumentos frágeis, podem prejudicar a sociedade por muitos anos.