Dentro do pacote de concessões acertado pelo governo Doria à Metra, concessionária que hoje opera o Corredor ABD, de ônibus, existe a previsão de uma indenização de R$ 738 milhões a título de reequilíbrio do contrato original, revelou nesta segunda-feira o jornal O Estado de São Paulo.
A quantia equivale a 86% do investimento anunciado pela gestão tucana para viabilizar o “BRT ABC”, corredor de ônibus que substituiu a Linha 18-Bronze, do Metrô. Segundo a Procuradoria Geral do Estado, R$ 184 milhões já foram pagos à Metra, empresa que é controlada pela família Setti Braga, que domina o transporte de ônibus no ABC Paulista.
A extensão do contrato de concessão do Corredor ABD, que inclui o BRT e também a chamada Área 5 de linhas intermunicipais, está suspensa na Justiça após liminar concedida pelo desembargador Luiz Uint.
Assinada em março após decisão dos conselhos de Desestatização e Parcerias Público-Privadas do governo, a extensão de 25 anos ao contrato fará com que a Metra fique à frente do sistema até 2046, ou meio século. O novo contrato envolve uma receita projetada de R$ 22,6 bilhões ante um investimento total de R$ 3,74 bilhões, segundo revelou o jornal Diário do Grande ABC.
Em resposta a um requerimento do deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT), a EMTU, empresa que gerencia os ônibus intermunicipais, alegou que a escolha da Metra em vez de abrir uma nova licitação foi motivada pela “interdependência” entre os modais e pelo fato de o governo enfrentar “dificuldades históricas” para tirar projetos de mobilidade na região.
Além da ação popular movida pelo advogado Alceni Salviano da Silva, outros dois processos estão tramitando na Justiça a pedido de empresas de ônibus concorrentes do grupo Viação ABC.

Projeto bancado pela Metra
O governo Doria utilizou uma lei estadual que entrou em vigor em janeiro de 2019 para tentar renovar a concessão com a Metra, que assumiu o Corredor em 1997 e já havia tido o contrato estendido por mais cinco anos em 2017. Pela legislação, no entanto, uma concessão não pode superar 35 anos de vigência.
A nova lei abriu a possibilidade para que esses contratos pudessem incluir aditivos para investimentos e que poderiam resultar em extensões nas concessões com o intuito de reequilibrar os valores – foi o caso das linhas 4 e 5 do Metrô, que poderão ser ampliadas mediante um acordo com o governo.
Diferentemente dos ramais metroviários, a Metra foi brindada com outros sistemas que não fazem parte do escopo da concessão do Corredor ABD, e teriam que ser licitados à parte ou então como um novo projeto integrado, em tese. Esse é um dos argumentos usados no processo que corre na Justiça.

A primeira menção à intenção da atual gestão de repassar o corredor de ônibus que será implantado no mesmo percurso da Linha 18-Bronze surgiu em janeiro de 2020, seis meses após o cancelamento do ramal metroviário.
Documento com metas da EMTU explicava que a empresa estava em tratativas com a Metra para encontrar uma modelagem capaz de repassar o projeto ao parceiro privado. A sinergia entre as duas têm sido tão grande que a Metra bancou o estudo do BRT, produzido pela Systra, mesmo tendo assinado a extensão do contrato há apenas três meses.
Menos capacidade e viagem mais lenta
Os primeiros detalhes do BRT ABC foram apresentados pelo governo Doria no dia 7 de maio. Em vez de se equiparar à capacidade do monotrilho, como foi aventado há quase dois anos, o corredor poderá transportar apenas 115 mil pessoas por dia – contra 340 mil da Linha 18.
O tempo de viagem também ficou muito aquém da expectativa: o serviço “expresso” levará 40 minutos para percorrer o trecho entre o centro de São Bernardo do Campo e a Linha 2-Verde do Metrô. A Linha 18-Bronze tinha tempo de viagem estimado em menos de 27 minutos, ou 33% mais veloz mesmo parando em 13 estações.

Já os serviços comuns serão ainda mais lentos. O semi-expresso levará 43 minutos para percorrer a mesma distância enquanto o parador, 52 minutos.
Para tirar o corredor do papel, o governo estadual também investirá cerca de R$ 1 bilhão para construir um piscinão numa região crítica e que poderia interromper o funcionamento dos ônibus em caso de alagamento.
Para a população, persiste a dúvida ainda se a tarifa a ser cobrada pela Metra no BRT ABC dará direito à integração gratuita com o Metrô e a CPTM, como ocorreria com a Linha 18-Bronze. O site questionou a Secretaria dos Transportes Metropolitanos no mês passado, mas até hoje não teve qualquer resposta.