O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes já retém por seis meses a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7048 (ADI 7048), que questiona a legalidade de dois decretos estaduais que beneficiaram a concessionária Metra com um pacote bilionário.
A ação movida pelo partido Solidariedade teve o julgamento iniciado em 7 de outubro do ano passado, com um voto favorável à anulação dos dois decretos por parte da relatora do processo, a Ministra Cármem Lúcia.
Logo em seguida o Ministro Édson Fachin seguiu seu entendimento e também manifestou seu voto pelo fim da validade das leis que permitiram que a Metra ampliasse a concessão do Corredor ABD e recebesse ainda as linhas de ônibus da Área 5 e o BRT ABC, um corredor de ônibus entre São Bernardo do Campo e São Paulo que substituiu a Linha 18-Bronze do Metrô.
Quatro dias depois, no entanto, Gilmar Mendes pediu vista do caso, um recurso usado para analisar com mais tempo um processo. No entanto, esse artifício é considerado uma forma de manobra jurídica para postergar uma decisão até um momento mais propício.
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Tanto é que o próprio STF aprovou uma mudança no regimento para impedir que processos fiquem eternamente nessa espécie de “limbo jurídico”. A nova regra, contudo, não vale para a ADI 7048, caso contrário, o processo já teria sido devolvido à julgamento.
Isso quase aconteceu em 3 de março, após Gilmar enviar o processo de volta ao plenário, mas o lançamento apareceu como “indevido” dias depois.
Precedente perigoso
Os dois decretos de Doria aproveitaram uma mudança na legislação que permite negociar a ampliação de concessões desde que seja feito um pacote de investimentos que mostre vantagens ao poder público em mantê-la à frente do serviço. Mas nesse caso, ampliou-se desproporcionalmente o alcance da concessão ao incluir áreas de atuação que não têm qualquer ligação com o escopo do contrato original.
Para usar uma analogia simples, seria como repassar o Aeroporto de Congonhas para a GRU Airport sem licitação, ela que já opera o Aeroporto de Guarulhos. O argumento? Os dois são complementares, recebem aviões comerciais de passageiros e de carga e ficam em São Paulo.
O precedente aberto permitiria que o governo estadual deixasse de realizar licitações para escolher a quem entregar um serviço público eternamente, bastando para isso que houvesse alguma “coincidência” abstrata entre as concessões.

Ingerência de Tarcísio
A demora em julgar os dois decretos têm o potencial de piorar algo que já há bastante tempo tem se mostrado um desastre de gestão. Lançada em julho de 2019 pelo então governador do estado João Doria (ex-PSDB), a proposta de construção do BRT ABC até hoje não cumpriu qualquer prognóstico do governo. Deveria ser rápida, oferecer o mesmo serviço que o monotrilho e custar mais barato.
Já se passaram quase quatro anos desde o anúncio e as obras até aqui são pontuais. O serviço de ônibus terá apenas a metade da capacidade da Linha 18 (170 mil passageiros por dia contra 340 mil do monotrilho) e o tempo de viagem será na melhor das hipóteses 50% maior.
Sobre o custo, embora seja uma obra barata já que as intervenções são mínimas – reflexo da baixa capacidade de transporte -, há outras despesas indiretas como a construção de um piscinão em São Caetano do Sul, indispensável para evitar paralisações no serviço, e o ressarcimento da concessionária VEM ABC pela quebra de contrato da PPP da Linha 18.

Existe ainda outro custo, este mais salgado para a população, que é pagar duas tarifas para chegar à rede sobre trilhos. Algo que a Linha 18 evitaria já que ela seria integrada de forma gratuita ao restante do sistema.
No longo tempo em que está parado nas mãos de Gilmar, o processo motivou uma visita do atual governador, Tarcísio de Freitas, que herdou o projeto da gestão anterior. Segundo a Jovem Pan, o republicano se reuniu com os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski em março para “destravar” o processo. Como se sabe, há lugares adequados para manifestações das partes, o plenário do Supremo Tribunal.