VEM ABC requer indenização de R$ 1,3 bilhão ao governo pelo fim da Linha 18-Bronze

Projeção mostra a Linha 18-Bronze (VEM ABC)
Projeção mostra a Linha 18-Bronze (VEM ABC)

Após ser instaurado no ano passado, o processo de arbitragem requerido pela VEM ABC, concessionária responsável pela construção e operação da Linha 18-Bronze do Metrô, teve início no final de julho na Câmara de Comércio Brasil Canadá.

Segundo o termo de arbitragem da entidade, a primeira fase do procedimento arbitral deve ocorrer até fevereiro de 2022. Após isso, o chamado Tribunal Arbitral, formado por três indicados, terá ainda um período de tempo variável para proferir sentenças parciais, receber alegações finais e enfim para apresentar sua decisão, o que pode levar o processo a se prolongar durante o ano que vem.

Em jogo está a indenização devida pelo governo do estado de São Paulo pelo fato de ter rescindido de forma unilateral o contrato do projeto de PPP (Parceria Público-Privada), assinado em 2014.

Como já abordado inúmeras vezes por este site, a gestão Doria orquestrou uma manobra jurídica para considerar a execução da Linha 18 “inviável” enquanto viabilizava junto à empresa Metra, concessionária do Corredor ABD, a implantação do “BRT ABC”, um corredor de ônibus com a mesma função que o monotrilho. Para isso renovou e ampliou a concessão assinada em 1997 por mais 25 anos.

Projeção de estação da Linha 18 (VEM ABC)

Indignada com a decisão intempestiva do atual governo, a VEM ABC tem pleiteado uma indenização bilionária, que em valores atualizados em junho chega à cifra de R$ 1,313 bilhão, segundo ela.

Tratam-se de R$ 55,5 milhões pelos danos emergentes, ou seja, advindos de custos obrigatórios assumidos pela empresa após a assinatura do contrato há sete anos, e R$ 1,257 bilhão por conta de lucros cessantes – sua previsão de margem financeira durante o prazo de concessão de 25 anos.

Os argumentos iniciais da VEM ABC foram apresentados no dia 26 de julho, onde ela busca desqualificar os pretextos já apresentados pela gestão Doria, além de demonstrar a incoerência da Procuradoria Geral do Estado, órgão jurídico que faz a defesa do estado e que em gestões passadas reconheceu que o contrato celebrado com a concessionária já estava em vigor.

É um dos pontos levantados atualmente pela mesma PGE para defender uma indenização limitada ao chamado período de Etapa Preliminar, equivalente a seis meses, e que foi postergado por cinco vezes por conta do não cumprimento das obrigações pelo poder público.

Contrato foi “extinto” pelo governo Doria em agosto de 2020 (Fernandes Arquitetos)

“Resilição unilateral”

Na peça de acusação, a VEM ABC explicita as diversas manobras jurídicas inusitadas do governo para tentar desqualificar as alegações da concessionária, além de criar argumentos alheios às cláusulas do contrato.

O comportamento do Poder Concedente já seria gravoso houvesse ocorrido ‘apenas’
o inadimplemento contratual. Mas o Requerido foi além e passou, ainda, a se utilizar de diversos subterfúgios na tentativa de desqualificar a natureza obrigacional dessa previsão contratual e, consequentemente, se esquivar da responsabilidade pelos danos incorridos pela Concessionária
em decorrência do seu inadimplemento. Nada mais reprovável,
” diz trecho do documento.

O Estado optou por inadimplir o Contrato e, posteriormente, escorou-se na absurda tese de que não haveria inadimplemento porque as atividades da Etapa Preliminar seriam condições suspensivas. E tudo com um propósito: permitir que o Governo do Estado substituísse o modal por outro que o governante do momento entendeu melhor (desconsiderando, inclusive, parecer da FIPE) sem que houvesse o pagamento de indenização prévia e justa à Requerente, em evidente desvio de finalidade. Em síntese: não lhe faltou criatividade para justificar seus atos arbitrários e deixar a Requerente sem a indenização a que faz jus“, completa.

Na visão do governo, o fato de o contrato permanecer preso à fase preliminar, que requeria que ambos os entes cumprissem seus deveres, tornaria o acordo não consumado. Ou seja, embora com obrigações claras em suas cláusulas, nesta fase qualquer um dos dois poderia rescindir o contrato sem anuência do outro e sem que isso produzisse qualquer ressarcimento significativo.

No entanto, a VEM ABC deixa claro que o governo do estado descumpriu o contrato ao não arcar com sua obrigação de prover o projeto de recursos financeiros. A desculpa da gestão Doria foi a de que não houve possibilidade de obter financiamentos por fatores alheios à sua vontade, o que foi desmentido pela concessionária, citando vários empréstimos viabilizados para outras linhas na mesma época.

Na cláusula 46ª, o contrato prevê apenas que a VEM ABC possa rescindi-lo

Os financiamentos obtidos pelo Estado de São Paulo para esses e outros projetos públicos demonstram que, ao contrário do que alega o Requerido, a obtenção de recursos junto a agentes externos não era impossível. A bem da verdade, o Estado, dispondo de recursos ou da capacidade de obtê-los perante instituições financiadoras nacionais e estrangeiras, optou (ou seja, foi uma escolha) por destiná-los a outros projetos. Essa foi a sua intenção deliberada – e a responsabilidade por tal escolha não deve recair sobre a Requerente“, reiterou.

A concessionária explica ainda que a alegação da Procuradoria Geral do Estado, que a eficácia do contrato estaria vinculada ao cumprimento da fase preliminar, é fictícia: “E é exatamente neste ponto que o argumento do Poder Concedente falha: não há no Edital qualquer dispositivo vinculando a eficácia do Contrato ao cumprimento das obrigações da Etapa Preliminar. A consequência lógica, portanto, é que este regramento não existia quando da realização da Concorrência e subsequente celebração do Contrato e, portanto, não poderia ser, posteriormente, invocado pelo Requerido – e mais, invocado com o notório intuito de prejudicar os direitos do particular contratado!“.

Para reforçar esse argumento, a empresa considerou o fato de que ela foi obrigada a realizar várias ações durante a fase preliminar a fim de cumprir com sua parte, como adquirir seguros e realizar preparativos para início das obras.

Curiosamente, a mesma PGE (mas sob outra administração, do ex-governador Geraldo Alckmin), entendeu como descumprimento contratual o fato de o poder público ter falhado em prover o projeto de recursos financeiros.

Não há, portanto, qualquer efeito sobre a validade, em si, do contrato, ou mesmo a ocorrência de alguma espécie de rescisão ou extinção automática do contrato. Apenas deixou-se de cumprir uma obrigação contratual posterior à sua assinatura, o que pode ocasionar o surgimento de eventual pleito indenizatório por parte da parte prejudicada, em se comprovando algum prejuízo“, diz parecer da PGE de 2016.

Mapa da Linha 18-Bronze (Divulgação)

Os advogados da VEM também apontaram a criação de uma “jabuticaba jurídica”, a “resilição unilateral do contrato”, algo que não está previsto no documento. Para a empresa, o caminho para encerrar a PPP deveria ter passado por um processo administrativo entre as partes e pela chamada “encampação“, quando o governo retoma o ramal sobre trilhos por algum motivo a ser justificado como de interesse público – e que prevê a indenização à parte privada pelo período restante na concessão, justamente o aspecto que se tenta evitar por conta dos valores elevados.

Tampouco há razão em alegar a possibilidade de resilição unilateral da avença. Isto
porque a extinção antecipada de contratos de concessão pode ocorrer apenas nas hipóteses
previstas em Lei – que não incluem a modalidade inventada pela PGE
“, diz a VEM.

Mudança por razão política

A VEM ABC não deixou de citar a pouco explicada proposta de substituir a Linha 18 pelo corredor de ônibus “BRT”:

Enquanto o Poder Concedente fabricava a resilição unilateral do Contrato, também passou a manifestar publicamente o seu interesse em substituir o Projeto pelo modal de ‘BRT’ e, logo após decidir pela extinção do Contrato firmou, às pressas, a contratação desse novo projeto sem prévia licitação junto à empresa titular da concessão dos serviços de ônibus e trólebus do chamado ‘Corredor ABD‘”, relembrou.

Doria durante o anúncio da troca da Linha 18 pelo corredor de ônibus BRT (GESP)

As notícias divulgadas constantemente à imprensa a respeito do desenvolvimento do projeto do BRT tiveram o propósito claro de criar, perante o olhar público e dos órgãos reguladores, uma justificativa para a extinção do Contrato, dando ares de legitimidade ao procedimento a partir da alegação de que o novo modal atenderia o interesse público subjacente de forma mais adequada – o que sequer é verdadeiro, dada a diferença de eficiência. Fosse esse o verdadeiro interesse do Requerido, então não haveria razão para deixar de extinguir o Contrato com base nas regras da encampação, que, como visto, é a modalidade prevista em Lei para a resolução de contratos por motivos de interesse público“, argumentou a VEM.

Por fim, a concessionária aponta as causas da atitude do governo Doria para extinguir a Linha 18-Bronze em favor do pacote de concessões para a Metra:

(a) o Governador do Estado decidiu, por razão política não fundamentada tecnicamente, pela modificação do modal de transporte; ou (b) sua preocupação foi conferir um ar de legalidade, a fim de evitar as consequências de seu próprio inadimplemento contratual. Note que as duas razões não são incompatíveis e é bem possível que ambas tenham pesado para a defesa da resilição. Mas seja num caso, seja no outro, o vício jurídico é o mesmo: desvio de finalidade“, conclui.

A Procuradoria Geral do Estado tem até o dia 27 de setembro para responder às alegações iniciais da VEM ABC. Haverá ainda o direito de resposta para ambas e então a fase de apresentação de provas até o início de 2022.

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