Na semana passada, o governo do estado realizou a audiência pública sobre a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda da CPTM à iniciativa privada. Embora o encontro tenha revelado algumas informações importantes, os principais detalhes do projeto só foram liberados nos últimos dias, por meio de dezenas de documentos técnicos e minutas. É esse material que este site se debruçou em busca de compreender que cenário os usuários verão dentro de alguns anos, quando os dois ramais estiverem sob responsabilidade de um concessionário privado. Veja a seguir os principais pontos:
Quando de fato começará a concessão?
A partir do momento em que o governo e o concessionário que vencer a licitação assinarem o contrato de 30 anos, haverá um período pré-operacional de 210 dias em que a parte privada se familiarizará com a operação das duas linhas. Nesse período, não haverá receita alguma para a concessionária, que focará em absorver o dia a dia da operação e manutenção além de treinar funcionários e iniciar alguns projetos futuros.
Como a concessionária será paga? O que o governo ganha com isso?
O consórcio que vencer a licitação pagará uma outorga fixa, ou seja, um valor definido no certame para ter acesso à operação das linhas. A ele também caberá pagar uma taxa de 1% da sua receita bruta para o governo como ônus de fiscalização a fim de viabilizar uma estrutura estatal para acompanhar o serviço.
A concessionária, por sua vez, receberá uma tarifa de remuneração por passageiro transportado. É um valor diferente da tarifa do sistema metroferroviário e que ainda não está definido pelo governo. Mas é certo que será bem menor do que R$ 4,40 afinal esse dinheiro recolhido é dividido com outras operadoras. A empresa vencedora também deverá investir em melhorias e obras durante as três décadas de operação para manter um padrão exigido pelo governo.
Como ficará a exploração comercial de trens e estações?
Além da tarifa pelo transporte de passageiros, a concessionária poderá explorar o comércio nas estações, a publicidade e também lançar empreendimentos agregados inclusive com o uso de terrenos próximos. Esses investimentos, no entanto, serão bancados exclusivamente por ela e seus contratos não poderão ultrapassar o prazo de concessão. Em suma, se a concessionária construir uma universidade em parceria com outro grupo e que esteja ligada a alguma estação movimentada, essa parceria se encerrará no final do contrato e precisará ser renegociada com a CPTM ou um futuro operador privado que assuma o serviço.
O governo também terá direito a 20% da receita não operacional a partir de um piso ainda não revelado. Em outras palavras, se a concessionária conseguir um faturamento bastante alto com a exploração comercial precisará dividir parte desse dinheiro para o estado.

Quais as garantias que a concessionária terá?
Para atrair o investimento privado será preciso minimizar os riscos, talvez o ponto mais polêmico nas concessões. A proposta do governo é que a tarifa de remuneração varie conforme o desempenho operacional, ou seja, se as duas linhas funcionarão de forma adequada. No entanto, para fins de planejamento, as potenciais concorrentes precisam de uma demanda projetada com a qual conseguem estimar as receitas durante o período de concessão.
É nesse aspecto que as concessões e PPPs (parcerias público-privadas) têm pecado nos últimos anos. Imagina-se um cenário e normalmente ele não ocorre, como por exemplo com as obras de expansão da Linha 4-Amarela, que atrasaram. Para dar segurança à licitação, o governo assume esse prejuízo e isso ocorrerá em parte no caso das linhas 8 e 9 já que a ideia é que tanto o estado quanto a concessionária dividam uma possível receita frustrada.
Quais investimentos o governo continuará responsável?
Caberá à CPTM concluir alguns projetos de expansão e modernização além de gerir outras parcerias como a da construção da estação João Dias. Já outras melhorias e projetos fazem parte do escopo da concessão que inclui até a desapropriação de alguns terrenos. Da mesma forma, a CPTM fornecerá parte da frota de trens de maneira provisória e parte de forma definitiva, cabendo ao concessionário adquirir 30 novos trens. Esse assunto será tratado mais à frente nesse artigo.
Sistemas e operação
Esse é um dos temais mais interessantes da concessão. Hoje as duas linhas passam por uma modernização sem fim e a intenção do governo é que a concessionária conclua muito desses projetos. Mas boa parte dele continua a cargo da CPTM como a modernização do sistema de controle ATC no trecho entre as estações Imperatriz Leopoldina e Osasco na Linha 8 a fim de permitir a redução do intervalo para três minutos.
Anos atrás, a companhia lançou um projeto de instalar o sistema CBTC nas linhas, mas acabou parando no meio do caminho. Segundo a minuta do contrato, a instalação do CBTC, que permite uma operação mais eficiente e com menores intervalos, ficará por conta e risco da concessionária. É a mesma situação do nível de automação dos dois ramais que hoje é mínimo, o chamado GoA1 quando o operador movimenta os trens seguindo padrões do CCO (Centro de Controle Operacional). Novamente, caberá à concessionária investir na automtização desse sistema e que em tese poderia funcionar com o GoA4 (o chamado trem sem operador presente) desde que contasse com o CBTC.
A concessão também terá de obedecer a vários parâmetros operacionais como não transportar mais do seis passageiros por metro quadrado, manter ao menos 20 segundos de abertura de porta nas estações e uma velocidade média de 40 km/h. Em horários de menor movimento, o “headway” entre os trens não poderá ser superior ao dobro do intervalo no horário de pico.
O governo estipula que a concessionária implemente seu CCO conectado ao da CPTM e que oferecerá informações sobre tempo de viagem e de espera e lotação dos vagões, entre outras tecnologias.

Qual será a frota de trens?
Nesse item houve uma certa surpresa a respeito dos planos do governo. Atualmente, a Linha 8-Diamante conta com uma frota de 36 trens da Série 8000 e que foram encomendados por meio de uma PPP e que os mantém em operação. A princípio, essas composições eram exclusivas do ramal, mas o governo Doria mudou o contrato no ano passado para liberar alguns trens para a Linha 9 já que existe um grande excedente de unidades por conta da paralisação do projeto de instalação do sistema CBTC, como dito anteriormente.
Bem, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos preferiu tirar essa frota da concessão e repassá-la para outras linhas carentes de trens mais novos como a 10-Turquesa. Para substituí-la serão cedidos provisoriamente 15 trens da Série 8500 e que hoje operam na Linha 11-Coral. Além disso, os 40 trens da Série 7000 também serão enviados para a concessionária, porém, apenas 25 deles ficarão até o final do contrato e serão os mais rodados, diz o edital.
Para suprir a lacuna, a concessionária terá de adquirir 30 novos trens que deverão ser entregues a partir do 12º mês da concessão. O prazo para início de operação é de três meses após a entrega quando a empresa privada passará a devolver as composições emprestadas de forma que 30 meses após a assinatura do contrato todos eles estejam de volta à CPTM, com exceção dos 25 Série 7000 e de seis Série 5400 que hoje operam na extensão da Linha 8. Dos 40 trens da Série 7000, dois estão atualmente fora de serviço e deverão ser recuperados pela concessionária.
Modernização e ampliação das estações
A concessionária terá a incumbência de resolver vários gargalos e problemas que a CPTM não conseguiu, entre eles melhorar o fluxo de deslocamento entre as estações Pinheiros e construir uma estação Lapa unificada. Porém, parte dessas melhorias também continuará a cargo do governo como na extensão até Varginha. Veja a seguir quais serão as principais novidades nas estações:
– Estação Osasco: a concessão deverá concluir obras iniciadas pela CPTM incluindo uma nova plataforma e itens como escadas rolantes e elevadores.
– Estação Pinheiros: uma das ligações mais sobrecarregadas da Linha 9, a estação ganhará um segundo acesso, mas não se trata do projeto original que previa um túnel para ligá-la à Linha 4. Em vez disso, o governo sugere que seja revitalizada a passarela da estação original e hoje desativada. A empresa privada também ampliará o mezanino e a melhorará a distribuição dos passageiros na plataforma.
– Estação Santo Amaro: assim como Pinheiros, Santo Amaro é um inferno para os usuários na hora do pico, porém, nesse caso a responsabilidade de melhorar a estação da CPTM é da ViaMobilidade, operadora da Linha 5-Lilás.

– Estação João Dias: a nova parada da Linha 9 será construída pela iniciativa privada como uma doação, mas a concessionária terá a responsabilidade de reposicionar os trilhos, rede aérea e sinalização.
– Estação Carapicuíba: nesse caso, a prefeitura da cidade será responsável por modernizar a estação para ligá-la com um boulevard.
– Estação Morumbi: está sendo modificada para interligá-la com a estação homônima da Linha 17-Ouro do Metrô.
– Estação Imperatriz Leopoldina: é uma das mais precárias da Linha 8 e será ampliada e modernizada pela concessionária com instalação de elevadores e reforma do mezanino, acessos e plataforma.
– Estação Ambuitá: localizada na extremidade da Linha 8, ela será construída do zero pela concessão.
– Estação Lapa: sem dúvida, uma das grandes novidades da concessão será a unificação das duas estações Lapa, hoje separadas. O governo até divulgou um projeto de como ficará o local, que atenderá as linhas 8 e 7-Rubi.
Outras duas estações (Miguel Costa e Antonio João) serão ampliadas enquanto 30 estações receberão melhorias de acessibilidade.

Passarelas e transposições
A concessão também tocará alguns projetos importantes, entre eles a eliminação de passagens de nível na Linha 8 e até mesmo passarelas sobre o Rio Pinheiros. A ideia nesse caso é facilitar o acesso de passageiros em duas estações, Jurubatuba e Ceasa ao conectá-las com a outra margem do rio.
Viadutos serão construídos onde hoje existem passagens de nível incluindo uma polêmica estrutura para facilitar o acesso à Favela do Moinho, próximo à estação da Luz. Nesse caso, esperava-se uma solução que oferecesse moradias alternativas a fim de liberar a delicada área que fica em meio às duas linhas da CPTM. A concessionária também deverá providenciar uma nova área de manuntenção para a CPTM para substituir o pátio Presidente Altino, que ficará exclusivo para a concessão.
O governo calcula que o parceiro privado deverá investir cerca de R$ 2,6 bilhões nos primeiros seis anos da concessão. A expectativa é que o edital seja publicado em até maio e que a entrega das propostas ocorra em setembro. Com todos os processos necessários que incluem um leilão na Bolsa de Valores (B3), homologação das propostas e assinatura, é de se imaginar que a concessão tenha início no primeiro semestre de 2021.
