Demorou bem mais do que se imaginava, mas finalmente a Justiça de São Paulo decidiu barrar o “pacote de concessões” do governo Doria à Metra, empresa que hoje opera o Corredor ABD de ônibus. Relator de um pedido de agravo na 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, Marrey Uint concedeu liminar para suspender os efeitos da extensão do contrato assinada com a empresa no início do ano.
O desembargador, a princípio, havia negado a suspensão, após o juiz da ação popular, Adriano Marcos Laroca, ter indeferido a tutela provisória na 1ª instância. Agora, Uint, diante de mais informações sobre o caso, considerou que há elementos suficientes para barrar a renovação com a Metra, que faria a empresa permanecer à frente da concessão por 50 anos.
O relator citou inicialmente que na legislação estadual “não é possível que se realize prorrogação do contrato de parceria público-privada por período superior ao limite legal estabelecido no artigo 5º, I, da Lei nº 11.079/2004, suprimindo a realização de procedimento licitatório próprio”.
Uint também observou que esse tipo de concessão não pode superar os 35 anos de vigência, ou seja, que a Metra não poderia ficar à frente do corredor de ônibus após 2032 (mais 11 anos) enquanto o governo Doria prorrogou de forma antecipada o contrato por mais 25 anos.

Escopo ampliado
O desembargador Marrey Uint considerou também incompatível que a Metra tenha assumido outras atribuições, no caso o BRT ABC e 85 linhas intermunicipais, sem que fosse feita qualquer licitação para apontar a proposta mais vantajosa ao erário público.
“Ora, é notória a existência de outras empresas no ramo do transporte público coletivo potencialmente capacitadas para realização do objeto aditado, tanto no que concerne à assunção das linhas de ônibus intermunicipais quando da instalação, construção e operação de BRT intermunicipal”, disse o relator.
Uint foi além ao apontar que nem os decretos ou as atas dos conselhos de desestatização e parcerias público-privadas do governo fornecem qualquer justificativa técnica ou administrativa palpável para a escolha da Metra para o serviço.

Por fim, o relator citou a manifestação do Ministério Público Estadual que discordou das decisões tomadas pela gestão Doria:
“O cancelamento do contrato de construção do monotrilho VLT da linha 18 Bronze do Metrô, sua substituição sem estudo técnico e estudo de impacto financeiro pelo BRT, a sua concessão, assim como de outras linhas intermunicipais à empresa concessionária METRA sem licitação prévia, claramente são atos lesivos à legalidade e à moralidade administrativas a forjar de forma firme a plausibilidade do Direito invocado”, diz trecho da manifestaçao do MPE.
“Além disto, e o que mais preocupa, foi embutido no aditamento ao contrato, proposta de concessão à Metra da implantação do BRT e de exploração de 85 linhas da área 5 da RMSP. sob argumento de que seria para reequilíbrio econômico do contrato prorrogando. Ocorre que o artigo 7º, § 1º da Lei n° 16.933/19 dispõe que caberá ao órgão ou à entidade competente apresentar estudo técnico que fundamente a vantagem da prorrogação do contrato de parceria em relação à realização de nova licitação para o empreendimento, e em nenhum momento prevê a concessão de outros serviços para tal fim. Como podemos observar, houve alteração do objeto, ou seja, concessão, por via oblíqua, sem licitação”, completou.
Após sua explanação, o desembargador deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ou seja, tornou o contrato inválido até que o caso tenha o mérito julgado, após a defesa das partes e esclarecimentos necessários.
Consultada, a EMTU enviou a seguinte nota ao site: “O Estado de SP não tomou conhecimento formal da decisão, assim que ocorrer se manifestará de acordo com a lei”.

Opinião do editor
Todo o processo que culminou com o fim da Linha 18-Bronze do Metrô e a criação de um corredor de ônibus “BRT” foi pontuado até aqui por eventos estranhos da administração Doria, como tem mostrado este site desde 2019.
Após prometer tirar o ramal de monotrilho do papel em sua campanha ao governo do estado, o tucano mudou de ideia logo no início do mandato. Anunciado em julho de 2019 como solução para ligar o ABC e sobretudo o município de São Bernardo do Campo, o BRT só teve detalhes revelados semanas atrás, após seguidas promessas da Secretaria dos Transportes Metropolitanos de apresentá-lo ao público.
Nesse meio tempo, a EMTU, como se soube depois, costurava com a Metra uma saída para, mediante a extensão da concessão do Corredor ABD, repassar a implantação e operação do BRT-ABC ao grupo empresarial que hoje domina o transporte por ônibus na região.
O que causa mais estranheza, como o próprio relator explica, é o fato de que as decisões tomadas, seja pelo cancelamento do contrato com a VEM ABC de forma unilateral ou avalizar o pacote para a Metra, ocorreram internamente no governo Doria, sem discussões com a sociedade e pior, que tenham sido apresentadas justificativas técnicas, legais e financeiras para isso.
Espera-se que a Justiça não feche os olhos para tamanho descaso com o interesse público da atual gestão nesse episódio.