Entenda o vaivém da Justiça no caso das obras civis da Linha 17-Ouro

Nesta quarta-feira, desembargador que havia determinado a retomada da licitação anulou decisão de juíza que havia atendido pedido da empresa Constran para suspender processo
Estação Chucri Zaidan da Linha 17 (CMSP)

Confuso com as repetitivas manchetes sobre a suspensão de licitações do Metrô pela Justiça? Não se sinta sozinho(a), na realidade não apenas a sociedade, mas até a imprensa em geral anda perdida com tantos vaivéns em decisões, liminares e recursos que pipocam nas cortes brasileiras. E é compreensível, afinal virou algo corriqueiro apelar para qualquer situação em que temos nossos interesses contrariados, seja com ou sem razão.

Nesta quarta-feira, 16, o Tribunal de Justiça de São Paulo voltou a contribuir para esse festival de incoerências ao revogar uma decisão tomada poucos dias antes. Sim, estamos falando da licitação de obras civis da Linha 17-Ouro do Metrô, que está perto de completar 11 meses circulando pelas varas do TJ paulista. O status (se assim podemos definir) da licitação no momento é que o Metrô pode retomá-la chamando para isso o consórcio que apresentou a segunda melhor oferta, não por acaso a Coesa Engenharia, que iniciou toda a discussão na Justiça em 29 de outubro de 2019.

Podemos então concluir que “agora a coisa vai”? Infelizmente, não, afinal a Justiça no Brasil é um labirinto sem fim e se nem mesmo os magistrados se entendem em seus julgamentos que dirá a sociedade. Para tentar jogar um pouco de luz nesse emaranhado de processos, recursos e afins, o site explica a seguir a cronologia do imbróglio das obras civis da Linha 17:

Capítulo 1 – 23 de outubro de 2019 – O primeiro Mandado de Segurança

Incorfomada com a habilitação da Constran, a Coesa Engenharia entrou com um mandado de segurança na 1ª instância do TJ de São Paulo. Ela alegou que a sua concorrente não tinha comprovado ter um certificado de registro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e que não possuía patrimônio líquido crível para assinar o contrato, apenas certidões de acervo técnico, algo como uma declaração do potencial técnico de seu staff de profissionais. A juíza Alexandra de Araújo acatou a liminar e suspendeu a licitação pela primeira vez até analisar o caso.

Em 13 de janeiro deste ano, no entanto, a juíza considerou que a Constran atenderia os requisitos do edital e com isso tornou improcedente o pedido de segurança pela Coesa. Ou seja, a licitação pode seguir em frente e o Metrô correu para assinar contrato com a então vencedora.

Capítulo 2 – 14 de janeiro de 2020 – Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação

Não demorou para que a Coesa apelasse para a 2ª instância da Justiça, formada por três desembargadores na chamada decisão colegiada. Primeiro a empresa pediu que o relator do caso suspendesse a licitação enquanto era julgado o mérito, ou seja, suas razões, o que ocorreu de fato, segundo decidiu o desembargador Souza Nery.

Capítulo 3 – 18 de fevereiro de 2020 – Apelação cível

Com a licitação travada, a Coesa entrou com uma apelação para que os desembargadores julgassem o caso. O relator Souza Nery, após meses de análises, levou seu voto ao colegiado em 15 de julho e os três magistrados deram provimento em parte aos argumentos da construtora. Em resumo, eles consideraram que a Constran não poderia ter sido habilitada e determinaram que ela fosse retirada da concorrência e que o Metrô retomasse o certame.

Tribunal de Justiça de São Paulo: quase um ano de vaivém judicial (Wally Gobetz/CC)

Capítulo 4 – 25 de agosto de 2020 – Embargos de Declaração Cível

Após semanas até ser comunicado oficialmente da decisão, o Metrô apresenta os embargos de declaração a respeito do julgamento. Nele, a companhia alega que a decisão apresentou falhas e omissões e que deveria ser revertida em favor da Constran. A própria Constran também apelou para o mesmo tipo de recurso e ambos deverão ser analisados em breve pelo mesmo relator.

Capítulo 5 – 29 de agosto de 2020 – Contrato anulado com a Constran

Seguindo a determinação da Justiça, o Metrô anula o contrato com a Constran e reabre a licitação de obras civis, em uma direção contrária à apresentada no embargo de declaração dias antes.

Capítulo 6 – 10 de setembro de 2020 – Mandado de segurança

É a vez de a Constran abrir um novo processo na Justiça para suspender a retomada da licitação sem ela como participante. A juíza Gilsa Elena Rios concede uma liminar parcial e impede o Metrô de seguir com a licitação novamente.

Capítulo 7 – 14 e 15 de setembro – Reclamações e agravos de instrumento

O Metrô apela para outro desembargador, Osvaldo Magalhães, para que anule a decisão da juíza de 1ª instância concedida à Constran. Quase ao mesmo tempo, a Coesa abre uma reclamação contra a Constran alegando que o acordão (decisão colegiada) estava sendo descumprido. O desembargador Souza Nery então determina a suspensão imediata da decisão da juíza Gilsa Rios e libera o certame novamente.

Estações poderiam estar prontas em 2020

O saldo dessa batalha judicial aponta ao menos cinco processos diferentes, dois embargos de declaração, seis magistrados envolvidos e cerca de 330 dias de atraso nas obras. Se o processo licitatório do Metrô tivesse sido cumprido sem imprevistos as sete estações previstas no contrato estariam hoje muito perto da conclusão, mas hoje é impossível afirmar com segurança quando isso de fato ocorrerá.

A falta de consenso em relação aos dois itens do edital pode levar esse caso ainda muito longe, com recursos em instâncias superiores, novas apelações, decisões contrárias e a conhecida insegurança jurídica que afeta nosso país e que parece que não terá fim tão cedo. Prova disso é que nesta mesma quinta-feira, o Tribunal de Contas do Estado decidiu suspender outra licitação ligada à Linha 17, a que prevê a supervisão e fiscalização justamente das obras civis remanescentes, descritas acima.

O pedido foi feito pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia, mas não há detalhes disponíveis sobre as razões alegadas ainda.

 

 

 

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8 comments
  1. independente da morosidade da justiça, tem empresas que dão a impressão de procurar pelo em ovo para paralisar contratos em andamento.

  2. Ricardo, o Desembargador anulou uma decisão completamente absurda.
    A Juíza de Primeira Instância não tem “poder” para suspender os termos do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, Inclusive, a juíza é subordinada as determinações emanadas pela Segunda Instância.
    Houve, ao meu ver, uma correção de rumos nesse processo, o que vai beneficiar o andamento da obra.

    1. Tem razão, Matheus, a decisão foi coerente, mas é justamente o fato de ter sido necessária que torna a Justiça no Brasil tão questionável. Se era algo ilegal por que a juíza tomou essa decisão? Ela nem deveria ter sido cogitada, um sinal claro que impera a desorganização e ineficiência onde se esperava justamente o bom senso e observância estrita da lei.

  3. Bom dia, e como fica a ViaMobilidade na história? São 20 anos de concessão, já se passaram 2.

    No caso da Linha 17-Ouro, os 20 anos contarão a partir da data de entrega?

  4. Nada disso estaria acontecendo se o governo “tocasse” as próprias obras. É perfeitamente possível, e muito mais rápido e barato inclusive. O governo do estado mais rico da federação, com PIB superior a muitos países, só não tem a própria construtora pq não quer. Sabemos o q acontece nesses contratos de obras, concessões e PPP’s. CAF e Siemens já revelaram parte dos esquemas. Bobo quem pensa q acabou por ali.

    1. Bruno, esse sistema de empreiteira do governo só existe na Coreia do Norte.
      Será que isso fez esse país ser próspero?

      1. A China também tem estatais de construção civil (a CECI, por exemplo). Pega a velocidade e eficiência que a China constrói e compara com qualquer outro país.
        São exemplos extremos, mas estão aí para provar que não é uma afirmação fácil.

        Meu problema com estatais são os políticos mesmo, você pegar um “jestor” como o governador de SP e ele é capaz de quebrar qualquer empresa com algumas canetadas por simples ideologia. Ou então, você pega um presidenta (sic) como a Dilma que coloca um monte de idiotas nos Correios no momento mais crítico da evolução tecnológica e veja o que acontece.

        Estatais enquanto sofrerem interferência política de forma tão direta e não tiverem no estatuto controle absoluto dos ganhos financeiros e econômicos e também obrigação de reinvestir partes dos ganhos em Inovação Tecnológica, pode ESQUECER que nesse país elas não vão dar certo. 🙁

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