Pelo menos meio milhão de passageiros mudaram sua rotina no transporte público em São Paulo nos últimos meses. Essa é uma soma estimada de usuários que passaram a utilizar as linhas 5-Lilás e 15-Prata, de metrô, e que tiveram longos trechos inaugurados recentemente.
Na Linha 5, por exemplo, os cerca de 11 km abertos entre 2017 e 2019 fizeram o movimento quase dobrar, de 320 mil usuários/dia para mais de 600 mil pessoas. A Linha 15, a primeira de monotrilho, acrescentou oito estações entre o começo de 2018 e o final do ano passado. Ela transportava pouco mais de 30 mil passageiros por dia um ano atrás e agora deve atingir pelo menos 300 mil usuários por dia.
Trata-se de um volume assombroso e que causa alterações significativas na mobilidade urbana e impactos variados pela região metropolitana. Em outras palavras, seu efeito é semelhante ao de se abrir uma comporta com água represada: logo de início há uma enxurrada até que esse fluxo se acomode à nova realidade. É esse cenário que ambas as linhas enfrentam e que tem causado dissabores aos passageiros, que num primeiro momento descobrem um caminho mais veloz, confortável e seguro, mas que não demora a se tornar sobrecarregado à medida que mais gente muda sua rotina nesse sentido.
Nesta semana, dois artigos da grande imprensa abordaram esses fenômenos, um deles no portal UOL pontuando as dificuldades dos passageiros na estação Capão Redondo, da Linha 5, e outro do jornal Agora, que mostrou como os anteriomente vazios corredores e escadas da ligação entre as linhas 2 e 15 na estação Vila Prudente passaram a ficar superlotados.
Em ambos os casos, são fenômenos esperados diante da oferta de uma opção de mobilidade infinitamente superior aos ônibus, principal meio de transporte no Brasil. Mas a grande imprensa, como faz com frequência, tem apenas focado no lado ruim da notícia e que gera mais comoção e cliques.
Mesmo quando tenta dar algum respaldo técnico, esses artigos tropeçam em especialistas de visão um tanto turva. Na matéria do UOL, por exemplo, a sugestão do engenheiro ouvido foi óbvia: deve-se colocar mais trens para dar conta da demanda, como se a ViaMobilidade, responsável pelo ramal, não soubesse disso.

No Agora foi ouvido o onipresente especialista Sérgio Ejzenberg que, mesmo com um currículo reluzente, soltou mais uma pérola. Na visão dele, seria melhor ter construído um corredor de ônibus no lugar do monotrilho por conta da capacidade atual de apenas 25 mil passageiros/hora – ignorando o fato que o sistema poderá transportar o dobro disso quando estiver com a operação em sua plenitude.
Como qualquer profissional atuante no meio sabe, as duas linhas estão no início da chamada “curva da banheira”, quando a operação ainda apresenta uma quantidade elevada de ocorrências por falta de maturidade e também por conta de algumas falhas de projeto ou execução. Exemplo disso são os constantes problemas nas vias e na sinalização. A tendência é que essas dificuldades sejam reduzidas e a operação chegue no “fundo da banheira” para então voltar a subir quando toda a infraestrutura envelhecer, dando forma ao “U” que caracteriza a tal curva.
Ocupação do solo
A Linha 5, por exemplo, ainda está longe da demanda projetada, de cerca de 800 mil pessoas por dia, ou seja, ainda tem 25% de margem para crescer. Mas como ela pode receber mais gente do jeito que está, alguém pode perguntar. Inserindo mais trens e reduzindo o intervalo entre eles, como é natural. É nisso que o Metrô, a ViaMobilidade e a Bombardier, fornecedora do sistema de sinalização, estão trabalhando.
Como citado pela concessionária em sua resposta ao jornal, ela hoje opera com 25 trens, ou seja, apenas uma composição a menos que o total de unidades da Frota P. Existem outros oito trens da Frota F que devem entrar em serviço em breve e que permitirão uma operação mais eficiente. Esse processo, de fato, está levando muito mais tempo do que deveria e nesse aspecto a crítica aos envolvidos é válida. A frota extra já está parada há quase três anos aguardando adaptações e testes para voltar ao serviço. É tempo demais, sem dúvida.
Se a Linha 5 sofre as dores do crescimento, o monotrilho da Linha 15 tem passado por apuros por conta do seu ineditismo. A quantidade de inovações no sistema é imensa e é natural que ele leve tempo para ganhar confiabilidade. O erro em si foi vendê-lo como uma solução pronta quando não é nada disso. Estamos falando de um modal que circula em vias em concreto, usa trens apoiados em pneus e que estreou com complexos sistemas como o de sinalização do tipo CBTC e portas de plataforma. O recente episódio dos parafusos soltos em uma viga ilustra o tipo de imprevisto que o Metrô poderá ter de lidar, algo completamente diferente de gerir a manutenção de trilhos convencionais.

Fazer tudo isso funcionar como uma orquestra não é uma tarefa simples como segregar uma faixa de rolagem e colocar algumas dezenas de ônibus circulando sem muita coordenação entre eles. A vantagem do transporte sobre trilhos está justamente na tecnologia que permite transportar um número alto de passageiros de forma automatizada e numa velocidade elevada já que qualquer linha moderna, seja ela subterrânea ou elevada, não sofre as interferências da malha urbana.
Com pouca quilometragem em operação plena e demanda elevada, a Linha 15 ainda deve passar por vários percalços até oferecer um serviço mais constante. Assim foi com todos os novos ramais em operação em São Paulo e mesmo em outros lugares no mundo. Mas fará o que nenhum sistema de ônibus é capaz ocupando o mesmo espaço que ela, ou seja, transportar mais de 400 mil passageiros por dia, número que equivale ao de várias linhas de metrô pesado com extensão semelhante.
Mais pontos de conexões
É claro que o usuário não quer saber disso. Ele paga pela passagem e acredita que aquela linha vai levá-lo de forma eficiente até seu destino. O que ele possivelmente desconhece é que não existe uma solução perfeita de mobilidade, sobretudo em São Paulo, onde a ocupação do solo cria distorções imensas e que resultam em situações como a de ver mais de 100 mil usuários convergindo para uma estação Capão Redondo enquanto em Alto da Boa Vista a plataforma fica às moscas.
Ou seja, mesmo quando chegarem ao pico de eficiência, nem Linha 5 muito menos Linha 15 circularão com trens vazios e sem falhas. Não como uma rede ainda com poucos pontos de conexão e aí está um problema real que tem sido abordado nesse site com frequência, a falta de projetos de linhas com trechos mais centrais nos planos do governo.
Construir ramais de metrô ou trens metropolitanos que desemboquem em outras linhas já saturadas só irá mudar o ponto de gargalo. É o caso da extensão da Linha 2, por exemplo, que está sendo retomada em 2020. Com oito estações, ela irá de Vila Prudente até a Penha, criando uma útil conexão com as linhas 3-Vermelha e 11-Coral e deve atrair parte dos usuários que deixarão de seguir até o centro da capital paulista. Porém, a Linha 2 herdará uma demanda pendular, reforçada pela Linha 15 e pela Linha 10, todas despejando gente em direção a outras regiões de São Paulo. Se há quem ache insustentável a situação atual, não sabe o que vem pela frente…

Outros projetos como a Linha 6-Laranja, Linha 19-Celeste e Linha 20-Rosa, embora também tenham potencial para criar novos pontos de conexão, devem inundar o sistema ainda mais. Infelizmente, os trechos centrais dos dois ramais que hoje estão em estudo não são prioridade. A Linha Celeste tem previsão de ir até a região de Campo Belo, cruzando a avenida Paulista em direção ao Parque do Ibirapuera, Itaim Bibi e o eixo da avenida Santo Amaro, todos eles com pólos geradores de empregos. Porém, o governo pretende construir inicialmente o trecho entre Guarulhos e a estação Anhangabaú e que injetará mais algumas centenas de milhares de passageiros nas mesmas linhas atuais.
A Linha 20, que chegou a figurar entre os projetos prioritários da gestão Alckmin, ligaria a Lapa à Moema, criando um importante corredor metroviário pela avenida Faria Lima, atendendo regiões como o Itaim Bibi, Vila Olímpia, Pinheiros e Moema. Com ela pronta, seria possível que usuários das regiões noroeste e oeste da Grande São Paulo chegassem à Zona Sul e mesmo Leste sem cruzar o centro. No entanto, a gestão Doria preferiu inverter as prioridades e colocar a ligação do ABC Paulista na conta. Embora sejam custosos, esses trechos centrais são contrapartidas essenciais para estender a rede para regiões não atendidas pela malha sobre trilhos.
Como se vê, a solução é complexa, demorada e certamente nunca totalmente satisfatória, mas muito superior à realidade atual. O importante é que tanto a Linha 5 quanto a Linha 15 cumpram a meta pela qual foram concebidas, de transportar um número muito grande de passageiros. Se essa capacidade será suficiente para dar conta da demanda já é outro problema.